quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Reino velho sem emenda
O professor António Borges Coelho, no ano de 1976, publicou um livro de crónicas, que titulou “Reino Velho com Emenda”.
Homem de um saber imensurável, intelectual da mais elevada craveira, cidadão responsável e impoluto, nesta obra expressava as suas críticas a uma sociedade encaminhada apenas na finalidade do lucro fácil, desprovida de interesse pelos princípios da justiça social e do respeito pelos valores da cidadania. Borges Coelho, pelo título do livro, acreditava na redenção, porque antevia que os erros, que desde há muito se vinham cometendo, fossem emendados. Tive o privilégio de ter sido seu aluno na Faculdade de Letras e mais tarde, quando fiz o mestrado em História Política e Social, voltei a cruzar-me com ele, porque fazia parte do júri.
Quando, Borges Coelho, nessa data, utilizou a preposição com, o país ainda navegava, com mais ou menos atropelos, num mar de esperança. Passados quase quatro décadas, com a sucessão de casos, que sucedem diariamente no nosso país, protagonizados, ao mais alto nível, por políticos e afins, onde a ausência de vergonha predomina, esse homem de carácter, no título do livro utilizaria, possivelmente, a preposição sem .
Portugal não atravessa apenas um período de falência financeira e económica. Portugal, ou melhor, os que têm as rédeas do poder, padecem de um mal incurável, que se cruza entre a insensibilidade e a falta de pudor.
Os valores que devem ser perenes nas relações sociais, como a fraternidade, a justiça, a compreensão, a palavra, o respeito pelas crianças e pelos velhos, todos eles são tratados de supetão. As hierarquias do poder político, em muitas decisões que tomam, dão-nos provas dessa chocante realidade. Um Estado de Direito não pode assentar em normas imorais. Três exemplos retirados do molhe.
Depois de ter dirigido o governo do país de uma forma desastrosa, e com diversos problemas pessoais, que sempre deixam má memória, desde a licenciatura, a projectos duvidosos, José Sócrates tem lugar como comentador político na TV do Estado, sem que alguma vez, anteriormente, tenha exercido cargo idêntico. É legal mas é incorrecto.
Paulo Portas, que cria um problema insolúvel com a significação dos vocábulos, quando toma a decisão irrevogável de se demitir do Governo e não o faz, nem cora de vergonha.
Passos Coelho passa uma esponja sobre o passado académico de Miguel Relvas e volta a colocá-lo na ribalta da política partidária, como se isso fosse a coisa mais natural e o povo sofresse de amnésia.
É verdade que não há dinheiro, mas mais que o dinheiro, o que faz mais falta é o decoro.

25.02.2014   Joaquim Carreira Tapadinhas, Montijo 
(publicado no PÚBLICO a 10-3-2014)

3 comentários:

  1. Publicado, com cortes, no Diário de Notícias de 26.02.2014 e Expresso de 1.03.2014. Cada "censor" cortou o que, por falta de espaço ou de mensagem,lhe pareceu mais oportuno retirar.

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  2. Hoje, no jornal Publico, foi publicado este artigo nas Cartas à Directora, com corte menos significativo. Demorou, pois tinha sido enviado a todos os jornais ao mesmo tempo. Ainda assim, valeu a pena, porque é possível que mais alguém nos oiça.

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  3. Joaquim, fiz o link para o seu artigo no PÚBLICO.
    »Mais vale tarde, que nunca!».

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