sábado, 10 de maio de 2014

TURQUIA: TRAJETÓRIA DE UM LÍDER QUE TORNOU ESTE PAÍS MULÇUMANO NUMA FELIZ COMBINAÇÃO DE PROGRESSO COM DEMOCRACIA

Artigo    publicado  no   Jornal   Diário   da Manhã de Goiânia-Go Brasil -  Caderno Opinião Pública- 20/02/2013

Ao assistir o jogo de basquete feminino, entre o Brasil e Turquia, onde as jovens turcas com roupas esportivas ousadas para os padrões da religião mulçumana e por ser estudioso da  pujança cultural e econômica daquele país, me veio à mente a lembrança histórica do responsável direto por tudo isto, trata-se, ao meu ver, do maior estadista de todos os tempos, que, através de suas  ousadas realizações, endereçou  a Turquia da era medieval para moderna, me refiro ao grande Mustafá Kemal, chamado de Atatürk (pai da Turquia), um feito considerado maior do que Pedro, o grande, representou para Rússia.  

Alguns fatos aqui narrados, que apresentam divergências com a histografia tradicional, foram baseados nos relatos do romance biográfico, “Em Nome da Princesa Morta”, da jornalista investigativa, francesa de origem turca, Kenizé Mourad, filha de uma das últimas  princesas do extinto Império Turco (Otomano). A credibilidade das informações partiu de elementos da própria família imperial, portando, de testemunhas oculares da História.

A Turquia, notadamente a cidade de Istambul (antiga Bizâncio e Constantinopla),  sempre foi cobiçada pelos paises ocidentais, desde o período grego (bizantino), passando pela era cristã (império romano) e pelo domínio turco (império otomano), pela sua posição estratégica face ser detentora dos chamados estreitos de Bósforo e Dardanelos.

O Bósforo divide Istambul em duas, uma parte na Europa e outra na Ásia (única cidade no mundo que possui esta característica), este estreito liga o Mar Negro ao chamado Mar de Mármara. Lembrando que está em fase adiantada de construção um túnel sob este estreito, ligando as duas partes da cidade, mesmo já  existirem duas pontes na parte superior, tipo pênsil, com aproximadamente mil metros de extensão .   

Já Dardanelos liga o Mar de Mármara ao Mar Egeu (banha a Turquia e Grécia), alcançando o Mar Mediterrâneo e mais adiante o Oceano Atlântico, em Gibraltar.

Como se vê, sem estas passagens o Mar Negro não teria acesso a nenhum oceano, onde se nota o tremendo valor estratégico dos estreitos, estando explicado  o porquê da cobiça internacional para controlá-los, principalmente em época de guerra.

Não custa relembrar aos historiadores que o descobrimento do Brasil deve-se em parte ao Império Otomano, que ao inibir a navegação pelo Mediterrâneo, forçou os portugueses a procurar alternativa para alcançar a Índia, vindo  em conseqüência a nos descobrir.

A trajetória de Kemal se confunde com a própria história da moderna Turquia, pelas reformas profundas que implantou em seu país,  entre os grandes líderes da história, poucos conseguiram tanto em tão curto período, transformando a vida de uma nação de forma tão decisiva e dando inspiração tão profunda para o mundo em geral.
Tudo começando após o  termino da 1ª guerra mundial, na fria e enevoada  manhã do dia 12/11/1918, quando 60 navios de guerra capitaneados pelos ingleses, vencedores que foram da guerra (o império otomano era aliado dos alemães), invadiram a cidade de Istambul, através do Dardanelos, ancorando  a  frota no histórico Chifre de Ouro (braço europeu do estreito de Bósforo), com seus canhões apontados para o palácio do sultão e para chamada Sublime Porta,  nome que se dava à  sede do governo.
Conta-se que o Sultão, diante deste fato consumado tenha convocado Kemal, um dos seus generais mais brilhantes, disponibilizando recursos, para que ele comandasse a resistência aos invasores no interior do país, aproveitando a geografia montanhosa da Anatólia, com quartel de  comando na cidade de Ancara (que veio a ser mais tarde a capital do país).
Existem outras versões para o fato acima, creio que  esta é a mais realista, por ser sido dado pela citada jornalista francesa Kenizé Mourad, por relatos de familiares que viveu à época.
Para agravar ainda mais a situação caótica por que passava a Turquia , o rei Constantino da Grécia (arquiinimiga dos turcos), invadiu  a cidade litorânea  de Esmirna (que já pertenceu à Grécia) com 85.000 homens, visando anexar as cidades que outrora pertenciam ao império bizantino, como a histórica Tróia  e a própria Istambul, jogando as tropas rumo a Ancara, tentando aniquilar o símbolo da resistência turca.
Após várias escaramuças, com altos e baixos nas batalhas, conseguiu as tropas nacionalistas de Mustafá Kemal, expulsar os gregos e forçar os aliados comandados pela Inglaterra a assinar o chamado acordo de Lousanne (27/07/1923),  onde a Turquia perdeu seu império nos bálcãs, oriente médio e norte da África, mas em contrapartida ,se constituindo em uma nação livre e autônoma, com pleno domínio da cidade de Istambul, da península da Anatólia e dos estreitos, com a ressalva de que nesses, ficava proibido o uso de navios de guerra.
Segundo a já citada jornalista Kanizé Mourad, Kemal teria recebido ajuda em dinheiro e armas da recém formada União Soviética e secretamente da própria França, descontente que estava  com a Inglaterra, sua aliada, por esta ter ficado com a parte mais rica do Império Otomano, principalmente do Iraque com todo seu petróleo.
O apoio dado  pela União Soviética visava no futuro o controle ou facilidade ao acesso nos estreitos, por lhe ser vital, pois o grosso de seu poder naval estava no Mar Negro, precisava, portanto, de saída para o Mediterrâneo e Atlântico. Já os Ingleses, com receio das passagens caírem em mãos soviéticas, apressaram em chegar a um acordo de paz (Lousanne), mantendo os estreitos com os turcos, com plena permissão para  embarcações comerciais. 
Após ter conseguido salvar o país (nestas alturas, o império otomano já não mais existia), emergiu o general Kemal como grande herói, e nesta condição tinha o controle da assembléia nacional e das forças armadas, onde pôde proclamar a república e implantar reformas corajosas, que colocam o seu país no patamar que hoje se encontra.
Consta que parte da reformas introduzidas na Turquia deveu-se à influência de sua esposa, Latifé Hanoun (Hanim), mulher muito bonita e com formação em Direito em Paris e Londres, apesar do casamento ter durado pouco mais de 2 anos. O divorcio foi feito em condições misteriosas, até hoje não explicado, penso que pode ter sido causado pelo  seu temperamento boêmio, extremamente mulherengo e exímio dançarino (apreciador de valsas), com  freqüência garantida  em    festas na cidade de Ancara, com agravante de ter sido consumidor inveterado de bebidas alcoólicas.
Passaremos agora a declinar as reformas que este líder deixou para seus concidadãos, tornando-o imortal na concepção de  seu povo:
·         Extinção do sultanato e posteriormente do califado (03/03/1924), dando prazo de 3 dias para que a família real deixasse a Turquia, incluindo príncipes e princesas e descendentes diretos, ressaltando, que seus opositores, alegam que esta medida, em parte, foi motivada pela mágoa  antiga que ele guardava do Sultão, por lhe ter sido negado casamento com uma de suas filhas.
·         Decretou que o alfabeto árabe, milenarmente usado no país, deveria ser substituído por um latino modificado (mantendo a língua turca), que era mais fácil de aprender e de ensinar e que tornava a publicação mais fácil. Todos os cidadãos desde os 6 aos 40 anos de idade foram obrigados a frequentar a escola e aprender o novo alfabeto. A língua turca foi "purificada" pela remoção de muitas palavras do árabe e do persa e substituição por novas palavras turcas. Desde então, o árabe foi usada somente para assuntos religiosos (islâmicos), pois o Alcorão é escrito em árabe.
·         O Alcorão foi traduzido para nova grafia turca, contrariando as autoridades religiosas, e do próprio Alcorão, que proíbe o seu uso em qualquer língua que não  seja a árabe.
·          Num gesto particularmente marcante, Kemal passou a considerar o “Fez” (chapéu típico otomano) como um símbolo de feudalismo e baniu-o. Atatürk passou a usar vestimentas em estilo ocidental, insistindo para que todos os turcos fizessem o mesmo. O véu para as mulheres foi banido, e elas foram encorajadas a usar vestimentas ocidentais, participar do mercado de trabalho e  de escolas mistas.
·         Estabeleceu o direito das mulheres em participar de eleições, votando e sendo votadas,  ressaltando, que nesta época muitos paises da Europa, da parte dita civilizada, ainda não tinha adotado esta medida.
·         Apesar da proibição islâmica contra bebidas alcoólicas, foi incentivada a sua produção, com a  implantação de uma indústria estatal de álcool, não havendo segredo do  seu  grande apreço pela forte bebida nacional, chamada “raki” (similar a nossa cachaça ou   a vodca russa).
·         A representação visual de formas humanas, que havia sido banida durante os tempos do Império Otomano, de acordo com interpretações da fé islâmica, voltou a florescer; Kemal abriu novas escolas para o ensino de arte (para homens e mulheres).
·         A separação da religião do Estado, tornando-o laico,  foi um dos legados mais duradouros de Kemal. A sua campanha pela secularização e a ocidentalização que ele impôs à nação turca, não tem precedentes na historia da humanidade . Os julgamentos religiosos foram proibidos, e suas leis  foram substituídas por um código baseado no da Suíça, com influências do código penal italiano e do código comercial alemão.
·         Reformas muito importantes e criativas,  foram implementadas na área econômica, com reflexos  positivos até nos dias atuais.
Estas reformas que parecem simples foram introduzidas em um povo grandemente influenciado por crenças religiosas milenares, daí se nota a grande determinação e persistência deste grande líder, que não cansava em afirmar: “Eu olho para o mundo com o coração aberto, cheio de sentimentos puros e amizade”.

Infelizmente para a Turquia e mesmo para o mundo, este líder veio a falecer precocemente em plena fase produtiva de sua vida, aos 57 anos, com o dever cumprido para com o seu povo e sua pátria,  acometido de cirrose hepática, fruto das desgastantes participações em várias  e memoráveis  batalhas no cenário da resistência nacionalista  e  pelo seu hábito de  ter sido  consumidor, desde a sua juventude, de  fortes bebidas alcoolizadas, agravado pelo  seu contumaz uso  do tabaco.
Orivaldo Jorge de Araújo

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