sexta-feira, 18 de julho de 2014

Gostava de escrever coisas belas mas não consigo

Queria tanto escrever coisas bonitas e belas. Simples, muito belas e bastante redondas.

Queria tanto que a minha cabeça tivesse tempo para imaginar histórias de amor, aventuras e explorações por mundos desconhecidos , arriscar uma mão na poesia: tão difícil e tão bela é a boa poesia!

Mas não consigo. A energia que tenho para escrever, suga-me para o  lado negro:  remexo, chafurdo com espanto e raiva na (in)condição humana.

Esgoto o meu tempo nisso, em temas sujos, e feios, e que fedem. É o próprio tempo que o pede, e não lhe faço a desfeita, restando-me as coisas belas para sonhos de inicio de alvorada.

Não encontro boas rimas para Gaza, Ucrânia,  Síria, Iraque, Afeganistão, Nigéria, Somália; não consigo “Alexandrinos” decentes  nas balsas de mortos-vivos no mediterrâneo, temas pouco literários, temas do absurdo, que impossibilitam a ficção, vivo-os boquiaberto com a inevitabilidade de entropia, uma ficção de fantasmas, pesadelo e caos.

Uma grande amiga, dizia-me - escrevia-me no outro dia -  que esta imagens servidas à nossa mesa enquanto ainda jantamos decente e descansadamente,  a sensibilizavam muito, já não consegue olhar para elas de frente, olhos nos olhos. Quando passam notícias dessas nos jornais televisivos, finge que não ouve nem vê.

A sua esperança, que para ela é fé, é o refúgio de paz que procura na religião,  desacreditada que anda dos homens.

Mas nós somos homens e é com eles que temos de nos entender!

Desafortunadamente, não encontrei ainda esse companheiro, tenho  que  conviver com eles, e não consigo deixar de olhar – pasmo - para uma criança trucidada numa praia, quando brincava como todas as crianças brincam na praia, e deixar passar em banco a minha raiva, porque essa criança é um filho meu.

Esse meu olhar obrigatório e irrecusável, não pode ser  um arco-íris, é uma sépia, um véu que se abateu sobre todos.

 Não consigo arriscar a poesia que tanto gosto, quando as entranhas queimam.


Não faz mal se é azeda a escrita: há momentos em que para voltar a plantar uma flor, temos que remover o chão infértil com o arado de palavras, contundentes, que ferem a vista, que nos sacodem para um despertar cruel, mas que necessita de nós, para lavrar uma possibilidade de futuro.

3 comentários:

  1. Caro Artífice, escreva com sabe, que eu gosto. Versejando na prosa, também há poesia.

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  2. O escrever é um pouco como o cantar ou o tocar instrumentos musicais. São dons. O Luís foi bafejado pela sorte e ainda bem, porque temos o prazer de lê-lo.

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