sexta-feira, 1 de agosto de 2014

ANTES DOER QUE...PENSAR !


Não sei se muitos se terão apercebido dos perturbadores resultados de um estudo que a Universidade da Virgínia divulgou no princípio deste mês na revista Science, sobre as dificuldades crescentes que os seres humanos têm em estar sozinhos e em utilizar esse tempo de “solidão” para pensar.

O estudo que envolveu cerca de 200 voluntários, consistia apenas em estar 15 minutos  sozinho num quarto, a pensar. Os cientistas observaram o seu comportamento durante esses 15 minutos e os resultados são verdadeiramente perturbadores e preocupantes.

“Os pesquisadores pediram que se sentassem sozinhos em um quarto sem adornos, sem telefone celular, material para leitura, ou para escrever, e depois que relatassem como fizeram para se entreter sozinhos com seus pensamentos entre 6 e 15 minutos.

O resultado foi que mais de 57% acharam difícil se concentrar, e 80% disseram que seus pensamentos vagaram. Cerca da metade achou a experiência desagradável. "A maioria das pessoas não gosta de 'só pensar' e prefere claramente ter algo diferente para fazer".

Como se isto não bastasse para me deixar preocupada, os cientistas não ficaram por aí e tentaram perceber o que os voluntários seriam capazes e fazer para evitar pensar e aí confesso que passo da preocupação para a estupefacção e para uma apreensão profunda.

Atentem no que os investigadores “inventaram” : submeteram as cobaias a um choque eléctrico “moderado” e a quase totalidade das pessoas submetidos a ele, afirmaram que preferiam pagar do que voltar a receber um choque semelhante. Após essa experiência foram colocados no quarto para “pensarem durante 15 minutos”. 

No quarto foi colocado também o equipamento de choques eléctricos e foi-lhes dito que poderiam utilizá-lo sempre que quisessem, sendo certo que todos teriam dito que aquela “dor, nunca mais”.
Resultado, “Dois terços dos indivíduos masculinos - 12 de 18 - deram choques em si próprios pelo menos uma vez enquanto estiveram sozinhos. A maioria dos homens deu entre um e quatro choques em si próprios. Um deles deu 190 choques.
Um quarto das mulheres, ou seis em 24, também decidiu dar choques em si mesmas, cada uma delas entre uma e nove vezes. Todos os que se deram choques haviam dito anteriormente que pagariam para evitar fazê-lo.”  ( fonte no final do artigo )

Os resultados deste estudo, que nos dizem claramente que as pessoas preferem auto-punir-se do que pensar, obriga-nos necessariamente a analisar o paradigma societal em que vivemos e com alguma facilidade chegamos à conclusão que o acto de pensar , não só é socialmente desvalorizado, como estamos a ser “formatados” para actuar / reagir e não para agir/pensar .

Para reagir não necessitamos pensar, é instintivo, primário, reactivo – desde que exista um estímulo exterior, o individuo reage a esse estímulo – nada mais simples, portanto. Já o agir, implica reflexão, interiorização, sentir, comparar, decidir…uma trabalheira, convenhamos ( desculpem-me a ironia ).

A propósito dos resultados deste estudos, fui procurar reacções de especialistas do comportamento e “choquei “ com uma entrevista que foi feita ao professor Júlio Machado Vaz, precisamente sobre este estudo e fiquei bem mais tranquila, por um lado, porque não estou sozinha nas minhas preocupações e por outro, mais apreensiva, porque os meus piores receios estão todos ali, preto no branco.

Trocando a coisa por miúdos, o que ele nos diz é que “ se a nossa ambição é apenas sobreviver, pensar no sentido nobre da palavra não é propriamente uma prioridade.”
E quão forte é esta afirmação…um autêntico soco no estômago.

Afinal, andamos aqui a fazer o quê?
Como podemos ambicionar cidadãos interventivos, com argumentos, opiniões, propostas…se não cultivarem a “arte de pensar”?

Mas intrigante que isso, é questionar porque é que isso acontece e é fomentado ?

Como e porque chegamos a este estado de anémonas super competentes em imensas coisas ( a maioria delas irrelevantes, mas que ocupam o tempo e “evitam que a pessoa se ocupe em pensar/ questionar” ), mas completamente ignorantes no sentir e no pensar, actos que durante séculos foram a marca distintiva do ser humano em relação aos “outros bichos” ?

Machado Vaz faz uma avaliação curiosa e com a qual concordo, ao afirmar que o Poder está com os que agem e não com os que se questionam acerca da vida, do mundo e de si mesmos. Com a clarividência e acutilância que lhe é reconhecida afirma sem reservas que vivemos numa sociedade em que “se uma pessoa não é “proactiva” está tramada. Resultado : tornámo-nos numa sociedade de superespecialistas: sabemos cada vez mais sobre cada vez menos”.

E é aqui, é precisamente aqui, que “ a porca torce o rabo”.
O professor Machado Vaz, como médico que é, faz uma leitura interessante deste estudo, mas é centrada sobretudo no individuo.

A mim, interessa-me mais as repercussões deste estudo, no animal social que somos e na forma como nos relacionamos.
Mais, preocupa-me o tipo de sociedade que estamos a criar quando estamos a tornar-nos incapazes de viver sem estarmos constantemente a ser “espicaçados “por estímulos exteriores”, que são cuidadosamente desenvolvidos para nos formatar.

A excessiva dependência da Internet, das redes sociais, dos telemóveis ( que parecem uma extensão do corpo e sem o qual muitas pessoas se sentem , literalmente “amputadas” ), não é apenas um sinal dos tempos – é sobretudo um sinal desta forma de (sobre)viver. Bebemos múltiplos estímulos do exterior e construímos a nossa identidade de fora para dentro e não o contrario. O “conhece-te a ti próprio” deixou de fazer sentido e isso é profundamente assustador.  

Adoptam-se, artificialmente, “conceitos e boas intenções” que não se vivem nem se tem a menor intenção de viver, mas que nos fazem parecer mais “humanos” e sobretudo mais “sensíveis”. Contudo a superficialidade é tão evidente ( copy-paste ), que facilmente se percebe a falta de solidez interna dos mesmos.~

Lavagem cerebral tão subtil esta dos novos tempos, em que somos afogados em informação que não temos capacidade de digerir mas que engolimos como se a nossa vida dependesse da quantidade de coisas que armazenamos na nossa cabeça, mesmo que sejam arrumadas de forma desconexa e totalmente desordenada.

Mas a “culpa “ vem toda de fora ?
Não pensamos, porque não temos tempo? Porque a vida é muito acelerada?
Não me parece…
Não pensamos, porque pensar implica sentir, questionar quem somos e o que queremos da vida. Implica gerir os nossos medos , ansiedades e desejos. Confrontarmo-nos com os nossos fantasmas é uma forma de crescer e evoluir como ser humano, mas dá trabalho e é muitas vezes, profundamente doloroso.

Quem resiste e persiste em continuar a viver e não apenas em sobreviver percebe o que quero dizer – é que um choque eléctrico, dói na altura, mas até distrai o pensamento e passa de seguida.

 As dores do crescimento do EU são profundas, marcantes, de longa duração, implicam que nos olhemos nos olhos, para dentro de nós e nos questionemos diariamente sobre o que somos, o que queremos ser e o que andamos aqui a fazer.  

No final do processo, se lá chegarmos, seremos certamente Pessoas, melhores Pessoas ,  mas não sei se isso interessa nem aos Poderes instituídos, nem à maioria das pessoas que cruzam a nossa vida.

Afinal , este estudo, que obviamente vale o que vale e até admito que para alguns não valha nada, demonstra com clareza que vivemos num mundo em que a máxima parece ser  - ANTES DOER QUE PENSAR.

Assustador…pelo menos para mim, que preciso dos meus momentos de solidão como do ar que respiro.

Pensem nisto…vão ver que não dói nada!

Graça Costa

Nota : os dados estatísticos relativos ao estudo foram retirados da fonte : ( fonte http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/07/estudo-mostra-que-pessoas-preferem-se-autopunir-ter-que-pensar.html

3 comentários:

  1. Tema bastante interessante e com questões cada vez mais pertinentes.
    Assusta-me imaginar como será o futuro com cada vez mais seres NÃO PENSANTES na verdadeira acepção da palavra...
    Obrigado pela partilha!

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  2. Tema bastante interessante e com questões cada vez mais pertinentes.
    Assusta-me imaginar como será o futuro com cada vez mais seres NÃO PENSANTES na verdadeira acepção da palavra...
    Obrigado pela partilha!

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  3. Para ser sincero, há dias em que gosto de estar sozinho só a ''pensar''.
    Em certas ocasiões ajuda-me a encontrar a solução para os meus problemas ou até para os meus projectos.

    Mas também tenho dias em que pensar ''para os meus botões'' é algo que não gosto e evito, mas estes são até poucos comparados com os dias em que estou sozinho a pensar.

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