sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Recordações de uma Noite de Consoada



Lá fora chovia e o vento assobiava por entre as frinchas das telhas.
Os beirais gotejavam num copioso choro sem fim à vista.
As casas não eram tão herméticas e confortáveis como as de agora.
E, enquanto minha mãe preparava a ansiada ceia, com couves pencas acompanhando o tradicional bacalhau, mais as batatas e ovos, todos cozidos num pote de três pernas, meu pai amornava o saboroso vinho tinto do Douro junto às cinzas quentes da lareira.
Entretanto, as crocantes e saborosíssimas fritas lêvedas, feitas na sertã postada sobre a trempe no crepitar da lareira, deixavam no ar um cheiro característico da mistura de açúcar com canela, que eram de comer e chorar por mais.
E o mesmo adocicado cheiro exalava das deliciosas rabanadas também confeccionadas pela minha mãe, que Deus lá tem.
E ao serão, chupando coloridos confeitos e jogar ao rapa-tira-põe e deixa, com a rodopiante piasca, animada pelos nossos dedos?
E o crepitar da lareira que nos aquecia o corpo e aconchegava a alma, criando figuras fantasmagóricas, animadas e projectadas nas toscas paredes da cozinha da casa de meus pais?
E o rústico e tradicional presépio que em casa fazíamos, atapetado com o verde musgo que ia buscar aos campos?
E os toscos e muito usados sapatos que deixava à noitinha junto à lareira, na esperança que o Menino Jesus neles pusesse algo que me alegrasse no dealbar do Dia do Natal?
O Pai Natal não existia nesses idos tempos de penúria!
Agora, a penúria é outra e multiforme. É usar e deitar fora o que ainda tinha serventia. Tudo é descartável e ecologicamente pouco recomendável.
Mas, tudo passa, restando somente a saudade desses passados tempos na voragem do tempo.
Oh, Deus meu, como já passou tanto tempo e eu já sem tempo de voltar a esse tempo da minha (nossa) ingénua meninice!

José Amaral


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