terça-feira, 28 de abril de 2015

A pobreza e os cristãos

Agnóstico que sou, não me repugna o verdadeiro prazer que tenho ao elogiar os que estão do outro lado da barricada religiosa - sobretudo os católicos, talvez por me estarem mais próximos. Apetece-me gritar aos quatro ventos a satisfação que me deu ler, nas páginas do Público, a crónica dominical de Frei Bento Domingues (FBD). Desmistificar com clareza o que tantos e tantos apregoam com palavreado rebuscado é apanágio de FBD. Põe o dedo nas feridas, mesmo que a alguns, com grandes responsabilidades, possa doer. Mas como é bom lembrar que a propriedade privada tem uma função social e que não é uma verdade absoluta de todos os tempos, havendo realidades que lhe são anteriores! A pobreza foi sempre um tema de eleição para os cristãos. Da prática inicial, de cariz caritativo e, sobretudo, de justiça, foi-se passando, com os tempos, para a teoria do “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”. Novas regras se foram arraigando nas consciências, assim se legitimando a apropriação por alguns dos bens de todos, primeiro pela superioridade imposta pela força, mais tarde por um pretenso direito que o “saber” forjado e adquirido valida. Quem, hoje, se atreve a questionar as leis dos famosos mercados? No entanto, Jesus expulsou do templo os vendilhões que por lá pululavam. FBD assinala que é para o pobre  que devem ser dirigidos os sentidos da economia e da política. Todos reconhecemos que, na realidade, as coisas não são assim, e FBD sinaliza, assertivamente, a traição aos valores fundacionais. Cometida por aqueles que estão dominados pela ânsia do poder, de soberba imensa, chegando ao ponto de acreditar que serão eternamente impunes.

Cuidado, não o são. Vem-me à memória o Barqueiro de Constância, de Alexandre O’Neill: “E com a fome ninguém se meta”.

PÚBLICO, 03.05.2015

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