segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A(s) esperança(s)

O que lerão a seguir será quase uma série de citações com conteúdo, mas também uma singela análise, pouco erudita mas prenhe de preocupações que são minhas, espoletada pelo que leio no nosso jornal e não só. Ambas relacionadas com a palavra “esperança” cujo único habitual significado “ponho em causa” naquilo a que poderemos chamar... somente bom sentido. Poderia também falar de duas outras aparentadas, o “heroísmo” e a “utopia”, mormente a última, mas o texto ficaria maçador.
Começo. E começo precisamente por quem me desencadeou a vontade de escrever: Jacinto Godinho e o seu texto “A morte da morte” em que associa o terrorismo islâmico, ou melhor, os mártires daquele, a uma “utopia que é também uma forma de medo... o medo de não serem merecedores da sociedade perfeita ou do reino dos céus” (sic)”. Substituam utopia por esperança e, direi eu, aqui está o parentesco que atribuo às duas. E, na citação que parafraseei, também estão “duas esperanças”: a laica, benévola e muito comum a todos nós, e a confessional, benévola ou não consoante a religião que se liga muito à recompensa (ora mais etérea, ora mais cheia de concupiscência) na vida eterna. Mas há ainda uma outra, fora do atrás dito e que será mais uma “desesperança”, já que é, quase em absoluto, antitética à que usamos comummente, e que nos conta a história de como ela nos foi enviada pelos deuses do Olimpo sob a batuta de Zeus e através da bela Pandora e da sua jarra cheia de castigos para com os humanos, punindo-os pelo atrevimento de Prometeu lhe ter roubado o fogo. Dizem os textos (Luc Ferry em A Sabedoria dos Mitos, Ed. Temas e Debates/Círculo dos Leitores) que a esperança permaneceu no fundo do funesto recipiente transportador, tornando-se assim não uma coisa boa, mas “uma tensão negativa, pois esperar é sentir uma falta, é desejar aquilo que não se tem e estar, por conseguinte, de algum modo, insatisfeito e infeliz, de tal modo que a esperança é mais um mal que um bem” (sic).
Dir-me-ão que elocubro, mas o que me bailava na cabeça foi confirmado com leituras recentes, exemplos das várias esperanças. Como amostra da esperança comum, nada melhor que os textos dos meus caros amigos Vítor Colaço Santos e Maria Clotilde Moreira nas Cartas à Directora (“A esperança está a chegar” e “Tempos de esperança”, respectivamente) de há dias. Igualmente, o texto de opinião, também deste mês, de José Vítor Malheiros intitulado ... “Esperança”. E bastou-me ler o Esperar contra toda a esperança, pequeno opúsculo de José Tolentino de Mendonça (Ed. Universidade Católica), para o tomar como exemplo da esperança católica que se dirige para o além (curioso o título escolhido pelo autor, que mostra bem a inteligência subtil do padre/poeta, ao quase dizer que ao humano vivo só lhe resta morrer para alcançar a dita, pois, até lá, chama-lhe caridade...). E fica-me sempre na mente a (des)esperança mítica que permaneceu no fundo da caixa de Pandora para nos angustiar sem o sabermos, pois até nos socorremos dela para nos “esperançar”...
Fica para o fim  o meu desprezo pela utopia/esperança dos mártires terroristas  a que Jacinto Godinho chama medo e eu apelido de nem sei bem o quê! Termino mesmo com a bem singela citação (mais uma) de Isabel Leal, psicóloga: “Estamos sempre em vésperas de futuro e desenvolveremos com ele uma relação a que chamaremos de esperança.” Como homem da modernidade, mortal como todos e racional, talvez seja a designação que mais aprecio.

Fernando Cardoso Rodrigues

Médico Pediatra

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