sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Os novos Vasco da Gama

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Portugal é um país pequeno e com muitas limitações a todos os níveis, a começar logo pelos nossos governantes. Mas se, ao menos, tivéssemos consciência das nossas limitações, isso já seria um excelente ponto de partida para qualquer reforma ou iniciativa legislativa. Mas não.
Basta sentarem um português numa cadeira de ministro para se considerar automaticamente investido no comando da armada de Vasco da Gama. E ai de quem o tentar chamar à razão porque é logo rotulado de Velho do Restelo.
Quando nos finais dos anos oitenta, em Viseu, um secretário de Estado da Educação teve o descaramento de comparar a reforma educativa de Roberto Carneiro à epopeia marítima de Vasco da Gama (se não havia de ser), eu só lhe disse o seguinte: "olhe à sua volta e responda-me com honestidade: O senhor acha que o Vasco da Gama se fazia ao mar com estes marinheiros? Com esta gente, as nossas naus afundavam logo à saída da barra."
O senhor secretário de Estado rotulou-me, de imediato, de Velho do Restelo e a reforma educativa de Roberto Carneiro naufragou naturalmente à saída da barra, arrastando consigo sucessivas gerações de estudantes.
No caso da nossa Justiça, ainda foi pior: a nossa ministra [1] carregou tanto as naus que elas afundaram todas sem sequer sair do porto.
As grandes reformas sempre se fizeram por pequenos passos, seguindo o prudente e sábio princípio de que o bom é inimigo do óptimo.
É óbvio que, num país civilizado, reformas com esta extensão e dimensão não deveriam estar dependentes do capricho de um qualquer Governo mas deveriam exigir sempre um pacto de regime e muita prudência até para não termos de andar constantemente a renovar a frota à conta das experiências mal sucedidas de loucos que se tomam por Vasco da Gama.
Por muito complexados que sejam, os nossos governantes devem evitar sempre fazer copy paste de modelos estrangeiros porque as realidades e os povos são diferentes pelo que a mesma receita não produz necessariamente os mesmos resultados.
Veja-se o caso do mapa judiciário em que a ministra da Justiça resolveu fazer copy paste do modelo holandês assente em dezoito distritos judiciais. Ora, a realidade portuguesa não tem nada a ver com a realidade holandesa. A Holanda é um país do tamanho do Alentejo, densamente povoado e com uma grande coesão territorial, assente num modelo de desenvolvimento de cidades médias e com uma fabulosa rede de transportes públicos. Por sua vez, Portugal vai ter apenas três distritos judiciais no Alentejo (numa área idêntica, a Holanda, tem dezoito). Além disso, Portugal só é densamente povoado numa pequena faixa litoral e ao redor de Lisboa e Porto. No interior, é um país envelhecido, semi-desertificado e sem rede de transportes públicos, fruto de um modelo de desenvolvimento assente na Cidade Estado grega.
Ora, é óbvio que o modelo holandês é totalmente desadequado a um país como o nosso, que, por isso, exige um modelo diferenciado: um para as áreas metropolitanas de Lisboa - Porto, outro para a faixa litoral Lisboa - Porto e outro para o resto do país. Só uma pessoa que nunca saiu da área metropolitana de Lisboa é capaz de afirmar, sem se desatar a rir, que, com esta reforma, se pretende levar as especialidades ao interior do país???!!!....
A ministra da Justiça quis ser o Marquês de Pombal da justiça portuguesa mas, como agora se pôde constatar, só tem competência e capacidade para ser o Terramoto de 1755.
Outubro de 2014
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[1] Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça do PSD.

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