quarta-feira, 4 de maio de 2016

O cheiro a hortelã-pimenta




Quem tem a oportunidade de fazer caminhadas, sem pressas, pode ser surpreendido com as muitas pequenas flores que crescem nos sítios mais improváveis. A vida rebenta onde há o mínimo de condições. Pode ser a berma poeirenta da estrada, pode ser nos espaços acanhados entre lascas de pedras, nas fendas dos passeiros feitos de cimento, etc.
Paulo Varela Gomes deixou-nos no passado sábado dia 30 de abril, vítima de cancro (grau IV). Tentou o suicídio, como confessa em «Morrer é mais difícil do que parece», texto escrito em Abril de 2015. No último instante, pronto a morrer, aspirou "um cheiro intenso, quase ridente, de uma hortelã-pimenta que nascera ao pé do pinheiro grande sem que, até então, alguém tivesse dado por ela. Coloquei a cadeira junto a uns troncos cortados, sentei-me e, já com os canos da arma na boca, o dedo aflorou o gatilho. Senti o metal como uma coisa sem qualidade, cálida, mortiça, dócil. Tudo me pareceu vagamente ridículo, o meu gesto, os objectos de que me rodeara. Veio até mim mais uma vez o cheiro da hortelã. Ergui os olhos que tinha fixados na guarda do gatilho e vi um pinhal (...). Ocorreu-me de repente uma vaga de alegria inexplicável, como se fosse um sinal da presença de Deus (...). Cheguei à mais simples conclusão do mundo: estava vivo e, enquanto assim estivesse, não estava morto.”
Havia uma razão para continuar. Ele ainda estava vivo!
Peçamos a Deus que nos abençoe com a capacidade de observar e ouvir e sentir a vida - nas mais variadas formas em que ela se nos apresenta -, até ao último minuto, tal como aconteceu com o escritor. Aprendamos desde já a ser sensíveis ao cheiro intenso de hortelã, tão pequena, que pode salvar-nos…
Terá Paulo Varela Gomes chegado também à conclusão de que, muitas vezes e afinal, não passamos despercebidos aos caminhantes?
É desta forma que faço chegar ao PÚBLICO e à família do professor os meus sinceros sentimentos.

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