quinta-feira, 23 de junho de 2016

O remanso de Bárbara

Misturada na fila indiana que pé ante pé seguia junto à margem do lago, Bárbara cuidava de apanhar os raios de sol no lado da face que mais lhe dava prazer. De olhos semicerrados, blusa dois botões desapertados, sapatos leves e arejados mas próprios para caminhadas, o rosto a brilhar e projectado nas águas serenas, Bárbara não contava com aquele intruso e inconveniente fazedor de perguntas fora do contexto. Resguardada no seu íntimo aonde as reflexões nascem e se reproduzem ou morrem connosco, à pergunta do repórter provocador, ela despertou, e olhando a sigla do microfone do repórter, que mais lhe pareceu um símbolo fálico de Caldas do que de uma ferramenta de recolha de som, Bárbara, numa atitude de mulher bravia, quase ultramontana, arrancou das mãos do operário da Estação Têvêfónica o aparelho, ainda confundido com um fósforo gigante, pois tinha a cabeça vermelha e mais lembrava um maço de pedreiro com carapuço de feltro, ou um malho de bombo de festa, manipulado por um malandreco sem eira nem beira, que nem Bordalo seria capaz de reproduzir. Estupefacto e a latejar sem contudo dar disto sinais, o repórter afastou-se devido à proximidade dos bíceps dos gorilas de serviço naquela procissão relaxante à beira rio, a que Bárbara aderira e porque lhe era aconselhado pelo seu físio-psiquiatra. Sabe-se desde há muito tempo, que se o jornalista da tal Estação para a qual desempenhava o seu papel, fosse Homem do norte, conhecido pelo seu carácter erecto e forte malho, a Bárbara apesar de ser mulher considerada nos meios aonde desenvolve a sua actividade tão nobre quanto feminina, seria de imediato lançada às profundezas da lagoa, de onde só regressaria quando exibisse a recolha do micro que antes atirara pelo ar, como se fosse um têxto enviado de um leitor posto na lixeira, de que não gostou e não gosta, e se recusou e recusa a publicar no seu jornal, desde que ele, o malandreco ostracizado feito diabo que a persegue com incómodos, se dispôs a dizer o que pensa dela, do seu órgão Público, e da vida em geral que esconde ou disfarça muitas carências, naquela Capital, às vezes pretensamente elitista, outras vezes, mundana. Coisas que costumam alterarem-se  com o tempo!
Joaquim A. Moura - Penafiel

*(uma medíocre ficção, aproveitada de um acontecimento bárbaro, feito por quem se julga intocável ou superior)

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