sábado, 1 de outubro de 2016

O fadário das águas portuguesas




O fadário das águas portuguesas



*Cristiane Lisita




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            No poema Mar Português, Fernando Pessoa escrevera: “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! (...) Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas foi nele que espelhou o céu”. O primeiro registro de passagem pelo Cabo do Medo é concernente ao navegador português Gil Eanes, em 1434. Local que ensejou lendas de monstros, em razão dos naufrágios de várias caravelas.

As explorações marítimas iniciaram-se com a expedição de 1279, alcançando as Ilhas Canárias. No entanto, entre 1415 e 1543, a partir da conquista de Ceuta, na África, foi que o apogeu se refletiu no avanço científico e tecnológico, delineando outro mapa mundial, por causa de apossamento sobre os novos solos.

O país, em diversos sentidos, tem afinidade com o mar. Diga-se que detém mais de 92.000 quilômetros quadrados fora de água, enquanto o território debaixo de água quase alcança a casa de 3,8 milhões de quilômetros quadrados, ou seja, quarenta vezes superior ao terrestre. Possui a terceira maior costa da Europa e uma localização estratégica como ponte entre esse continente, África e América.

Em 2009, Portugal entregou proposta para alargar a plataforma continental na Comissão de Limites da Plataforma Continental regulados pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, apesar de tão-somente esse ano o comitê nomeado avalie o requerimento, que, aprovado, vai calhar sobre a jurisdição de um fundo de mar que ultrapassará os 1,4 milhões de quilômetros quadrados antevistos. Até 2017 um adendo será sobreposto reforçando a tese de maior área sob a soberania nacional.

Mas a que se destinarão essas possessões? A nova corrida por mineração no fundo do mar acende muitos questionamentos. A ONU, através da Autoridade Internacional do Leito Oceânico,  acenou para a concessão de licenças para empresas que estejam interessadas na exploração dos oceanos, com o intuito de aproveitamento das pequenas rochas materiais como níquel, cobre manganês. Lembrando Alvin Toffler, estamos diante da quarta onda, na qual as nações não têm conseguido traçar metas adequadas para a sustentabilidade ambiental.

A extração, marítima, dos recursos minerais pode pôr em grave risco de extermínio distintos ecossistemas e toda essa fonte de energia esgotável. Lembre-se dos noticiários da imprensa nacional relativo à poluição das águas costeiras, e dos rios, que afetou comunidades de golfinhos, detectados, há pouco tempo, com elevados índices de mercúrio: um dos maiores da Europa.

Estudiosos denunciam que cerca de 60% dos peixes típicos de rios e lagos de água doce do país podem se extinguir. No que toca à cidade de Amarante a contaminação do Rio Tâmega está matando peixes, todos os anos. No rio Ardila, no Concelho de Moura, as espécies mais resistentes como as carpas estão fenecendo; incluso na zona do Porto de Santo Amador, um grande desastre ambiental pode ser verificado, em razão da má qualidade da água, com baixa oxigenação, devido a redução do caudal do rio. Na Barragem da Taleigueira, em Castelo Branco, o mesmo sucede. Em Alpiarca, a proliferação de algas encurta a vida desses cardumes e coloca em perigo a saúde humana.

Que fadários terão essas águas? Aumentar a plataforma continental exige consciência de que é preciso resguardar a natureza para as gerações futuras. A propósito, pra onde correrão os tantos rios de mercúrio e de telúrio das fábricas?  Quantos prejuízos mais, além da poluição dos lençóis freáticos, há de trazer o agronegócio insustentável? Pra onde correrão as águas e, quiçá, as nossas pranteias se não cuidarmos daquelas? Reiterando Pessoa: “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!”.



*Cristiane Lisita (jornalista, escritora, jurista).






2 comentários:

  1. Um belo e histórico artigo, para além de científico. Como de costume, a nossa professora brinda-nos com mais uma pérola literária. Obrigado.

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  2. Faço minhas as palavras do amigo Tapadinhas e acrescento o seguinte: não sei se a Cristiane tem acesso aos nossos comentários, ela não podia era fazê-los. Agora este excelente texto faz-me lembrar o dito; dá Deus nozes a quem não tem dentes. Ou seja, claro que não somos só nós, os portugas, mas esta exploração desenfreada das potencialidades do planeta e a consequente poluição do mesmo, associado às guerras por enquanto com armas convencionais... e a crise moral a todos os níveis ( reparem nesta fantochada da eleição do SG da ONU com o aparecimento desta candidata búlgara apoiada pela Merkel...e não só, tudo isto, Deus queira que nos enganemos, não terá bom fim. Aliás, não sei se foi o amigo Amaral ou o Tapadinhas ou os dois, que já aqui disseram que esta civilização está a dar o berro. Obrigado Cristiane por mais esta reflexão e informações. Um abraço a todos/as!

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