sábado, 11 de fevereiro de 2017

De volta aos braços da Mãe e outros Contos


- A minha Mãe morreu jovem, ainda na casa dos trinta anos. Eu não a conheci. O meu pobre Pai, ficou comigo e com mais três filhos pequeninos, em situação bem precária. Sapateiro de profissão, depois de ter levado uma vida em criança entre a fome e os piolhos, ter mendigado de porta em porta com um pau e um saco na extremidade, moço de servir em morgados ricos aonde lhe garantiam enquanto escravo, a côdea e a malga de sopa, tomou o caminho de moleiro montando com tenra idade, uma mula, que o levava à distribuição da farinha entre o moinho e o cliente, dormindo sobre o dorso da besta, naquele vai e volta. Foi crescendo e já adulto e obrigado à independência, pois descendia também da orfandade, sem ter conhecido o seu pai, meu avô, trabalhou para mudar o destino. E mudou. Fez-se homem, casou, e teve quatro filhos. A minha mãe morreu de doença ou como se diz agora, por erro médico. Outros tempos, muita ignorância. O meu Pai era analfabeto, como toda a sua família. A família da qual eu descendo. Era eu o mais novo dos rapazes, em que o mais velho só tinha sete anos, e era surdo-mudo.O meu Pai mandou-me para a escola, sítio que ele nunca conheceu. Ali aprendi a desenhar palavras e encavalitar números. Naquela miséria os números mesmo quando somados davam sempre resultados negativos. Foi entre aquela contas que sobrevivemos. Durante todo aquele "fado" nunca tivemos ajuda de nenhuma Instituição, nem quem nos desse um osso para roer. Umas tias também pobres iam ajudando no que podiam. Talvez alguma delas nos tivesse dado algum banho num dia mais sujo. Talvez nos tenham lavado umas cuecas mais gastas e até rotas, por onde saíam os gases. Talvez. Mas de uma coisa temos a certeza; nunca nenhuma Instituição da Segª Soc. nem um Juíz decretou roubar-lhe os filhos, que o meu Pai trazia sempre debaixo de olho, nos intervalos em que deixava as solas com cola e pregadas, a secar. Podem dizer agora, que naquele tempo, eram tempos diferentes. A Sociedade não estava "organizada" como hoje. Hoje? que "organização", que rouba os filhos aos pais em vez de os ajudar? O Amor entre pais e filhos tornou-se diferente? esta história ainda demorava muito tempo a ser contada. Mas vou abreviar. O meu Pai morreu de acidente, mais novo do que eu sou hoje, já pequeno comerciante, sem conhecer os meus filhos. Quase lhe vejo os seus olhos a brilhar lá onde quer que esteja a vigiar-nos. Imagino a sua alegria imensa, ao ver de lá, que os seus "netos" são hoje todos licenciados sem cunhas nem facilidades, pela U.P. em engª, arquitectª, e designer comuni窺 pelo ESBAP, e outras valências .Todos com excelente aproveitamento. Ninguém substitui um Pai e uma Mãe, mesmo quando estes também carregam o fardo das dificuldades em subsistir, e dar-lhes guarida. No entanto o Amor, resolve, como mais nada o consegue fazer nem substituir. Quase lhes contei o "Inferno de Dante". Agora peçam ao Hieronymus Bosch que faça um desenho. Completava bem, digam lá?

4 comentários:

  1. Amigo Amândio, foi das histórias mais comoventes que aqui já li. E assim de repente, tiro duas ilações: primeira, tiro o meu chapéu ao amigo, porque apesar das tremendas dificuldades porque passou, como se dizia, ter-se feito um homens e aos seus filhos. Segunda; a compreensão que tem pelo seu pai não lhe ter feito o mesmo, e o amor tocante que por ele revela. Obrigado, pela lição de simplicidade e humanismo que nos dá.

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  2. Uma verdadeira lição de vida. Sem peneiras. Sem complexos. Com muito orgulho. Um desabafo. Um grito de revolta mas sem queixumes. Um alerta para a realidade actual. Um belo texto do inconfundível Joaquim Moura. Um abraço do JM2


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  3. Hoje já é a segunda vez que comento o Joaquim Moura (também é Amãndio) mas a primeira..."escafedeu-se", juntamente com o texto autor!? Bom, mais uma vez O Joaquim escreve como só o Joaquim "himself" o faz. Sempre misturando a história com o humor, ás vezes doloroso e uma qualidade ímpar. Que posso dizer? Parabéns, talvez.

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  4. Fiz então confusão com o pseudónimo e troquei o nome ao amigo Joaquim Moura. As minhas desculpas

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