Desde há cerca de dois meses que tenho tido dias desagradáveis. Têm-me
chegado à caixa do correio electrónico perguntas de amigos e desconhecidos, a
quererem saber qual a razão porque não tenho aparecido na página do leitor, no
espaço das cartas de desabafo e de comentário, mais ou menos aceitável, de
autores diversos. Andam admirados alguns leitores que já não dispensam ir dar
uma olhadela naquela página, para lerem as minhas e as outras redacções, que
nós outros e também leitores do mesmo, escrevemos e enviamos com a melhor das
intenções para o jornal que por vezes as respeita e as publica. Já hoje contei para
aí umas seis ou oito pessoas fiéis, que apreciavam a minha opinião, ousadia, o
meu estilo, as minhas queixas, lamentos, irreverências, sobre os casos e a
sociedade que nos envolve a todos, e atormenta alguns. E não são poucos, os que
sofrem e os que são ofendidos, pelos que nos guiam e nos cegam ao mesmo tempo,
por entre enganos e meias verdades, "para as tornarem mais seguras, e
atingirem profundidade". Na minha qualidade de desempregado de longa
duração e sem qualquer tostão caído seja lá de onde for, dedico-me aos
biscates, e nos intervalos a arrumar carros, tal como os jornalistas arrumam
palavras e as ordenam nos textos que lavram, para quando chegar a hora de lhes
pegar, eles não se engasgarem numa atrapalhação em que ninguém se entende.
Arrumar carros e palavras é quase a mesma coisa. Só que uns escrevem em cima do
tampo da mesa e no PC, e eu escrevo em cima da capota dos veículos
estacionados, nos tais intervalos, com a preocupação de não riscar o tejadilho
alheio, o que já não se passa com os jornalistas, que riscam das cartas que
lhes chegam, as palavras que lhes não agradem, e até as deitam ao lixo após as
amolgarem por entre os dedos. Para mim escrever é uma forma de matar o tempo,
enquanto para os jornalistas será um expediente profissional para mitigar a
fome. Mas cada um tem o que merece e paga ou recebe por aquilo que vale. Eu
estou desde 2011 sem trabalho, e nunca tive por este desempenho qualquer
remuneração ou subsídio de nenhuma natureza. Nunca me inscrevi sequer no IEFP,
porque tinha que andar com um impresso, de loja em estabelecimento, a pedir
trabalho e um carimbo, para fazer prova da minha vontade em deixar de escrever
palavras incómodas para os jornais, sem disto tirar proveito nem pagar imposto.
Valha-nos isso e a dignidade que resta. Mas ando aborrecido. Mais pelos meus
leitores que afinal descobri que os tinha, do que pelo meu estado de pobreza
aceite com nobreza, e de cabeça erguida. Só que há um problema mais. É o número
de pessoas que sabendo da minha actividade e do meu paradeiro, não me dão
descanso, e querem que eu lhes explique, ali entalado entre carros, o motivo
por que é que fui banido da página do jornal aonde eles costumavam
encontrarem-se comigo. É óbvio, que eu de imediato os remetia para a Direcção
do jornal em causa, e os incentivava a serem eles a porem-lhe essa questão, já
que entre mim e a redacção do dito não há comunicação, e mesmo após ter pedido
uma banal justificação do meu apagamento, como quem foi cortado das fotos
bolcheviques do conjunto sépia de outros casos revolucionários, ela me tem sido
negada. Eles ouvem e fazem um ar de espanto, e ao virar as costas desalentados,
ainda lhes oiço – “é pena. Lia o jornal quase só por isso, e pelas palavras
cruzadas. Sabe. Eu de futebol já ando cheio, e as suas provocações ao nosso
jeito, ainda era o que me motivava a ir até à biblioteca, ao café e ao clube
social, ler o jornal. Paciência. Vou lendo outras coisas, tais como quem bate
mais nas mulheres e nos pais, crimes, governantes e administradores corruptos,
polícias absolvidos por baterem forte e feio e elogiados na Corporação e até
por juízes afectos ao sistema, desfalques em tesourarias de Instituições
públicas, novelas sobre os colarinhos brancos, adopções esquisitas de crianças
retiradas aos pais, indicadas pelas técnicas da Segª Social que os juízes
ratificam e lhes perdem o rasto. Olhe! Sei lá mais o quê. Fico é triste por o
não poder ler. Você sempre tinha mais piada e sabia morder-lhes as canelas...”
- Obrigado. Respondi eu. Mas não sei que lhe fazer. Estou arrumado, também. Fui
posto na lixeira, como está Portugal posto pelas agências de rating. As de
Notação, repeti. Creio que entenderam. Quem lê sabe sempre mais, e eles, até
pode ser que leiam coisas finas destas, e as entendam até melhor do que eu!
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