quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Os valores conservadores serão criminosos?


Estamos a viver uma situação política muito interessante, desde que Trump foi eleito presidente dos EUA. A pressão brutal feita nos jornais, nas TVs daquele país e no mundo inteiro para que vencesse a candidata Clinton, não convenceu o eleitorado americano. E em vez de democraticamente terem aceite o veredicto do povo, resolveram, os mesmos que lutaram contra a sua eleição, agora impedir a sua acção ou destruir a sua imagem. Por ocasião da nomeação de um juiz para o Supremo Tribunal naquele país, o “lead” da notícia passada num dos principais canais da TV de Portugal anunciou depois do nome do designado Juíz, a menção “anti-aborto”, “anti-eutanásia”. Ora eu tenho seríssimas dúvidas de que se tivesse sido nomeado outro juíz, a favor da eutanásia e do aborto, essas referências fossem mencionadas em “lead” da mesma TV. Ou seja, o que está aceite como normal e aceitável nas TVs e jornais, são os valores de esquerda, considerados democráticos. Os valores conservadores, designadamente o do direito à vida, são considerados como criminosos, por isso merecedores de uma chamada de atenção especial. Como conservador que aqui me confesso, tenho apenas de lamentar que os que pensam como eu em todo o mundo, não tenhamos conseguir defender os nossos valores com a mesma tenacidade e eficácia com que a esquerda impôs os seus.
Hoje, aqui e no resto do Mundo, assistimos a uma esquerda “ungida”, a quem tudo é permitido, sem censura ou crítica. Já qualquer coisa idêntica que a direita faça, cai-lhe tudo em cima.
Manuel Martins
Alandroal
OBS: Esta carta foi publicada (na íntegra) na edição de 4/2/17 do jornal PÚBLICO.

7 comentários:

  1. Cada um tem a sua opinião e pode mantê-la de modo a não coartar a liberdade de outrem.

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  2. Não contesto. Mas os mídia, tal como nos EUA, deveriam confessar a sua opção política, para os seus leitores não serem vigarizados, ao pressuporem opiniões independentes.

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  3. Se me permite, e com todo o respeito que me merecem as opiniões alheias, sobretudo quando são genuínas, como as suas, venho dar algumas achegas ao seu texto porque, na minha opinião (obviamente), contém imprecisões de alguma gravidade que não deverão passar sem contraditório.
    Em meu entender, a “pressão brutal” não foi feita para que vencesse a candidata Clinton, mas sim para que Trump não ganhasse. Não é a mesma coisa: eu não gosto da Clinton, mas do Trump… nem é bom falar, arrepia-me.
    Ao contrário do que diz, os que “lutaram contra a sua eleição” aceitaram democraticamente o veredicto do povo: então o homem não está a ocupar (e de que maneira…) o lugar que conquistou? Veremos até quando… democrática e legalmente, pois claro. Protestar é democrático, como, em Portugal, a direita protesta contra a geringonça.
    Não se pode dizer que estão a “impedir a sua acção ou destruir a sua imagem”, pois nunca os Estados Unidos viram tal profusão de decretos executivos (os tais, muito mais raros, que o Partido Republicano reprovava em Obama) nem nunca se viu um presidente tão impante e que gostasse tanto de si próprio.
    Passando para temas mais sérios – aborto e eutanásia – quero deixar bem expressa a minha opinião: a evolução dos tempos é imparável, como o demonstra a “abjecção” que era, há poucos séculos, uma mera autópsia. Hoje, quer aborto, quer morte assistida, não têm o mesmo peso “pecaminoso” de outrora, porque o Homem evolui e as suas instituições (como a Igreja) também. Por isso, percebe-se o “lead” que refere e estranhar-se-ia se o mesmo aludisse a um juiz que fosse a favor dessas práticas, um pouco na linha de que notícia é o homem morder o cão e não o cão abocanhar o homem.
    Os valores de esquerda, tais como os de direita, são democráticos. Os que o não são pertencem a outras famílias políticas. Conservadores, se quer que lhe diga, há em todos os quadrantes, em especial nestes temas que abordou. Como classificaria o senhor tanta gente de direita que conhecemos e que defende os direitos ao aborto e à eutanásia? E os de esquerda que, pelos mais variados motivos, os rejeitam? Transviados? Traidores?
    O direito à vida não pode ser aprisionado por nenhuma confissão ideológica. Espanta-me verificar que o considera um valor conservador (no sentido político do termo) como se os progressistas fossem detractores desse direito. E nós, os progressistas, muito bem acompanhados da maioria dos conservadores, rejeitamos categoricamente o uso da tortura seja em que condições for. Os apoiantes de Trump, por fidelidade, deverão admitir a sua prática?
    Não, os “valores conservadores” não são considerados criminosos, a não ser por gente, essa sim, criminosa. Não exageremos…
    Por fim, não vejo unção nenhuma na esquerda. Pelo menos em Portugal. Basta ver o que o capital da Comunicação anda a fazer às gentes da esquerda e da direita, como se tem visto e denunciado ultimamente, até aqui na Voz da Girafa. Despedem-se os primeiros e dão-se cargos de director aos segundos.
    Receba os meus melhores cumprimentos.

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    1. Caro José, em primeiro lugar o meu obrigado, por ter dedicado bastante prosa a tão humilde escriba. E com aquele respeito a que já não estou (infelizmente) habituado. Tenho de concordar com a sua primeira observação, de facto houve uma rejeição da Clinton por muitos do seu partido. Como o José é de esquerda, olha com natural compreensão tudo o que reprime e tenta destruir (às vezes fisicamente) a direita. Até aqui na terra dos tugas houve um ministro progressista que disse que o que mais gostava "era de malhar na direita", e nada, absolutamente nada, lhe aconteceu, politicamente falando, claro. Ontem mesmo veio um despacho noticioso sobre as "executive orders", relatando que as de Obama nestes primeiros dias foram mais numerosas, embora talvez não tão importantes, ou notíciadas. E o que diz, sobre Obama ter vindo a terreiro contestar medidas que o presidente eleito apresentou em campanha eleitoral e que nada mais são do que a sua execução? Acha que não é uma tentativa para bloquear/dificultar a Administração que tomou posse há dias apenas? E as destruições nas ruas com protestos violentos orquestrados pelo Partido da Clinton? E a remanche anunciada por esse partido, para bloquear a nomeação de um excelente juiz, embora com o mesmo perfil do substituído (Juiz Scalia)? Os Democratas não perdem um juiz, há apenas a substituição de um falecido, por outro de igual perfil, e de que nem os próprios democratas conseguem negar competência e seriedade. Mas como abordo no meu texto, esta diferença de tratamento dos valores conservadores e progressistas, é em primeiro lugar, ou principalmente dos primeiros, por incompetência na promoção dos seus valores, ou por terem confiado que estes eram pacíficos e inquestionáveis eternamente. Sobre a eutanásia, lamento manter tudo o que afirmei. Ressalta-se e aponta-se o facto de alguém ser a favor da vida, quer de embriões quer de velhos, e nada se diz quando são a favor da sua morte. Pode apontar explicações para isso, tentando justificar esta tristeza, mas é infelizmente factual. Concordo no entanto que o assunto da eutanásia é transversal à sociedade, tal como o aborto e algumas outras causas sociais. Eu sou um conservador com preocupações sociais. Não acredito em transformações da sociedade através de golpes ou mutações armadas ou mesmo palacianas. Tudo com calma e ponderação. Discutindo e ouvindo todos, não apenas as elites iluminadas. Foi essa a vitória de Trump, que tanto choca, irrita e faz sair do sério aos chamados "democratas" ou "progressistas" do mundo inteiro. São democratas e tolerantes quando os seus estão no poder, mas quando estão na oposição, não descansam enquanto não subvertem, destroem ou anulam a eleição em que foram derrotados. Deixem Trump governar, deêm-lhe os habituais "100 dias", depois falamos. Eu, como muito milhões no mundo, veêm nele um modo diferente de fazer política. da que não é ditada pelos grandes lobbies de Washington, da banca, de Wall Street (sabe bem que todos estes apoiaram a Clinton). Depois logo veremos todos se o homem está ou não a fazer um bom trabalho para defender o povo que o elegeu. Claro que para nós Europeus não vai ser como dantes, mas isso, é a vida... Um abraço com muita consideração.

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  4. Caro Manuel,
    Li e reli a sua resposta aos meus comentários. Avaliei-os com a maior abertura possível e cheguei à conclusão de que a discussão foi frutuosa. Não devemos, penso eu, é continuar na análise pontual do que Trump ou Obama ou mesmo a Clinton fez ou disse. Interessa-me uma apreciação mais abrangente sobre o que, ultimamente, se vai passando pelo mundo.
    Parece-me inegável que todos nós, os eleitores em geral, estamos fartos dos políticos que nos têm saído na rifa. Cá, como na Europa e, pelos vistos, até na América, dado que nem vale a pena falar de África, e a Ásia é um outro assunto. Daí que tenhamos em comum o desejo de os substituir a todos por gente diferente. Quer o Manuel, quer eu próprio. Só que, em meu entender, não devemos ceder à tentação de colocar lá qualquer um. E as conclusões a tirar de tanto cansaço eleitoral, vistos os resultados, não são de bom agoiro. Veja a Hungria, a Polónia, a República Checa e outros mais.
    Entregar a chefia da maior potência mundial a um racista e misógino encartado e assumido, que se dá ao desplante de negar o aquecimento global e outras realidades inquestionáveis, substituindo-as por “factos alternativos” e pós-verdades, não me parece aconselhável. Ser eleito com a luta a Wall Street na boca e, na primeira curva do caminho, favorecer os seus moradores, não me parece grande credencial. Privilegiar Putin apenas por meros interesses financeiros, não me parece saudável. Atropelar a Constituição por ódios rácicos ou religiosos, não me parece de gente de bem. Vamos esperar os 100 dias da graça? Foi assim que tantos judeus, na Alemanha e Áustria, na sua boa-fé, esperaram… pelos fornos crematórios. Todo o cuidado é pouco.
    Uma última palavra: pertenço ao grupo dos defensores do direito ao aborto e à eutanásia. Não sou a favor da morte, como poderá depreender-se do seu texto que são todos aqueles. Espero que me conceda a justiça de o reconhecer.
    Retribuo-lhe o abraço e a consideração.

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  5. Caro José, concordo que a nossa cordial troca de ideias é sempre benéfica. Que fique claro que eu não tenho nenhuma simpatia especial por Trump e muito menos o considero um modelo, seja no que fôr, até como empresário. Mas os EUA e o Mundo precisavam de um abanão. O José, se é como penso, intelectualmente sério, pense um instante. As ditaduras e regimes opressivos, que um pouco por todo o mundo, dominaram, foram progressivamente substituídos até à década de 70 do séc. passado. Com excepção de Cuba, Coreia do Norte e vários regimes africanos, claro. Ora as democracias tiveram praticamente CINQUENTA ANOS para mostrarem o que valem. Graças a Deus, eu vivi em ditadura e democracia. Mais em democracia, claro. Já sabia que este e nenhum outro é um regime perfeito. É o menos mau, também sei. Mas a democracia no meu modesto entender, está a resvalar para uma anarquia. Não vou aqui explanar mais, para não o maçar, a que deve ser difícil ser confrontado com isto. Mas o Trump, nos primeiros dias de campanha, lembra-se do que defendeu para os EUA? Eu acho que é a mais clara demontração que é preciso mudar muito nesta "democracia". Ele defendeu "LAW AND ORDER". Já viu, José? Ao que os EUA devem ter chegado, de anarquia, de falta de autoridade dos professores, dos juízes, das fardas, para um candidato à presidência ter tido de defender estes princípios tão básicos de uma sociedade verdadeiramente democrática. Um abraço com consideração.

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  6. Caro Manuel,
    O diálogo vai longo e aproxima-se daquele ponto pouco menos do que ridículo de ambos malharmos no ceguinho. Também me parece que podemos esgotar as paciências, nossas e as dos outros (a propósito, alguém terá acompanhado o nosso diálogo?) e nenhum de nós convencerá cabalmente o outro. Mesmo assim, deixe-me só colocar aqui umas pequenas notas.
    Saúdo a sua confissão de que não simpatiza com o Trump, nem mesmo como empresário.
    Em meu entender, o “abanão” deverá ser dado por dentro e não vindo de fora da democracia.
    Concordo consigo (e com Churchill) em que a democracia é o regime menos mau. Não concordo com a crença de que está a resvalar para uma anarquia. Pelo contrário, a minha crítica vai para o facto de a sentir resvalar para uma autocracia dominada pelo capital financeiro (já nem sequer é o capital económico, veja lá).
    É típico dos demagogos e autoritários, como Trump (superiormente monitorizado pelo verdadeiro presidente americano, Steve Bannon, como peremptoriamente afirma o Washington Post), acenar com a “Lei e a Ordem”. Depois é que se vê o que eles fazem quando no Poder. Podemos sempre consultar Orwell.
    Não pressentia, antes do Trump, que os USA estivessem em calamitoso estado de anarquia e de falta de autoridade. E, na verdade, não me parece que os desígnios de Trump tivessem sido vir repor a normalidade. Acho é que visariam (veremos…) a liberdade negocial de alguns (Exxon?) sobretudo nos sectores da energia (atenção ao Árctico).
    Finalmente, Manuel, quero assegurar-lhe que não me maça nada. Nem me é difícil ser confrontado com estas coisas que temos vindo a discutir. Difícil é vê-las implantadas nesse mundo.
    Um abraço e muito respeito.

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