terça-feira, 30 de maio de 2017

Visão periférica

Neste escrito pretendo apenas relatar uma situação real vivida por mim nos tempos agitados que se seguiram à revolução de 1974.
E empresa em que trabalhava era uma das da cintura industrial de Lisboa, zona onde se verificaram grandes conflitos laborais, muitos deles sem motivo justificativo, e que geraram muito desemprego.
Fiz parte da primeira Comissão de Trabalhadores que se organizou na empresa, que integrava delegados do país inteiro e teve como pessoa marcante na liderança um engenheiro químico responsável por uma linha de produção e a sua mulher, secretária da direcção da empresa, ambos militantes do PC.
Enquanto em muitas empresas à volta se interrompia a produção por tudo e por nada e se faziam reuniões incendiárias a qualquer hora, na nossa os plenários eram programados para os fins de semana, onde pudessem estar trabalhadores de norte a sul do país.
Tratava-se de uma multinacional cuja direcção também tudo fazia, em estreita conjugação com a CT, para que os problemas se resolvessem sem conflitos laborais.
Termino descrevendo um episódio ilustrativo da importância de uma boa liderança, que sabe olhar à sua volta e não apenas em frente:
Numa reunião de sala cheia, onde a CT prestava contas das regalias que tinha negociado para todos, levantou-se lá do meio da sala um “incendiário” acusando a Comissão de ser muito branda nas negociações, dizendo que o inglês que era director- geral vivia numa mansão da empresa, se deslocava num carro do tamanho daquela sala também da empresa, conduzido por motorista da empresa, e que os lucros que de cá saíam para os donos gastarem com as amantes eram cada vez maiores.
Com a calma que nunca perdia, o eng. Freitas respondeu assim: “como você bem disse, o carro é da empresa, a mansão é da empresa e o motorista é trabalhador da empresa. Quanto ao dinheiro que eles gastam com as amantes não é assunto da nossa conta. Interessa-nos é que fique cá o suficiente para nós gastarmos com as nossas e parece-me que não temos razão de queixa”.
Ecoou por toda a sala enorme gargalhada enquanto a mulher, muito corada, olhava para ele com ar interrogativo. Acrescento que nunca houve na empresa qualquer conflito laboral, mas também nunca vi o Freitas na lista do Comité Central do partido…

                                     Amândio G. Martins



8 comentários:

  1. Nunca pensei que o Amândio fizesse uma insinuação, vou ser comedido, tão inqualificável. como se todos os militantes, seja de que partido for, possam ou estejam interessados em serem eleitos para organismos de direcção dos partidos.

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  2. Não, senhor Ramalho, o engenheiro Freitas que eu conheci bem não estaria nada interessado; mas dada a sua qualidade, o mais normal seria que o partido o chamasse para mais altas funções...

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  3. O engº Freitas para liderar homens, de facto e no caso vertente, não precisou de ir para a lista da organização aludida, pois estava junto da realidade dos factos e não em poleiros que, por vezes, não enxergam a realidade dos acontecimentos.
    Eu, que também pertenci ao Secretariado Permanente da Comissão de Trabalhadores do BANCO PORTUGUÊS DO ATLÂNTICO, tinha à altura uma limusine modelo FIAT 600D e, por isso, chamaram-me de reaccionário.

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  4. Pois olhe, a mim, que até nem me considero um comunista, já me chamaram e eu disse que não. A sua insinuação não corresponde à verdade e é muito injusta.

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  5. Rectificação até a mim próprio; as pessoas não são chamadas, mas sim, propostas. Propostas e eleitas.

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  6. A pessoa que referi no meu texto era (foi há tanto tempo que há muito lhe perdi rasto e não faço ideia se será vivo) aquilo que eu considero um bom comunista, competente e sério no que fazia e sempre disponível para os outros, como tantas outras pessoas que conheci ao longo do tempo e que se lhes dissesse isso ficavam ofendidas. Tendo em conta aquilo que o senhor Ramalho já viveu, não seria descabido reconhecer que se cometeram desmandos, até porquer muitos deles não tinham a marca do PC, como os praticados por Durões Barrosos e quejandos, que foram música para a contra revolução! No mais, é sempre bom temperar o idealismo do D. Quixote com o realismo do Sancho Pança...

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  7. Agora já concordo consigo. Inclusive com o seu conceito de comunista. Por isso é que digo que não me considero, digamos assim, 100% comunista. Vá lá talvez uns 50% ou nem tanto! Também concordo com os tais desmandos e nunca disse ámen a tudo. Portanto, como deve calcular, conheço muitos militantes do PCP.Destes, vários comunistas. Alguns destes últimos, estão no CC.

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