segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Um Governo queixinhas *

 
António Costa parece um daqueles miúdos que, apanhados com a bola junto a uma janela acabada de partir, apontam para o colega e dizem que ele é que estava a chutar. E ainda acrescentam que vão proibir os jogos de futebol no local, ignorando que a placa de proibição já existe e está na frente dos olhos deles. Na polémica instalada à volta do jantar realizado no Panteão Nacional, muito mais relevante do que o evento é analisar a reação do Governo e a preocupante falta de sentido de responsabilidade que denota.
Vamos pôr de lado o facto de ser difícil acreditar, dada a proximidade entre o poder político e a organização da Web Summit, que em momento nenhum o Executivo teve conhecimento da iniciativa. Vamos igualmente esquecer que Paddy Cosgrave foi filmado a dizer que falou com "o ministro", admitindo tratar-se de um lapso. Podemos até ignorar que o Panteão tem sido palco de idênticos eventos, inclusivamente organizados por empresas públicas, como a NAV, que a 16 de outubro ali realizou o jantar de homenagem a funcionários.
Limitemo-nos a factos. Em 2014 foi aprovado um despacho que abriu 23 monumentos, palácios e conventos a eventos sociais, definindo preços e regras de utilização. O PSD deveria estar em silêncio, porque não só abriu a caixa de Pandora como apontou uma lista detalhada dos imóveis que prevê jantares e cocktails em todos os espaços do Panteão, à exceção da Sala Sul.
Não quer dizer, contudo, que se deva apontar o dedo ao PSD como culpado do jantar que o primeiro-ministro considerou "indigno". Porque o mesmo despacho define duas coisas bastante simples. Uma, que cada utilização dos monumentos tem de ser autorizada pela Direção-Geral do Património Cultural. Outra, que serão "rejeitados os pedidos que colidam com a dignidade dos monumentos, museus e palácios".
Houve um serviço tutelado pelo Ministério da Cultura que autorizou o polémico jantar. Como fez em iniciativas anteriores. O Governo é politicamente responsável e tem plenos poderes para intervir. Nem sequer precisa de mudar a lei para isso. Neste aspeto também o presidente da República deveria ser mais comedido nos elogios a António Costa por prometer uma proibição que o quadro em vigor já prevê.
O fundador da Web Summit, que pediu desculpa e foi o único a comentar as divergências culturais subjacentes à escolha, não tem de justificar-se. O Governo é que tem de mostrar coerência e responsabilidade pelas decisões que os seus serviços tomam. Em vez de passar a vida a chutar para canto.

* Artigo de opinião de Inês Cardoso – Subdirectora do JN em 13.11.2017
Nota:
Já antes do despacho, em 2013, António Costa presidia na altura à Câmara e por inerência presidia igualmente à Associação de Turismo de Lisboa. CMTV, que avançou com a notícia, diz que o jantar foi para promover o fado. Gabinete do PM diz que Costa não sabia do jantar no Panteão organizado pelo Turismo de Lisboa.
Há dois anos no Governo, António Costa não devia ter revogado o tal despacho?
 
 
 
 



1 comentário:

  1. O país está naquele mote que toda a gente diz 'salve-se quem puder'. Quem está nos lugares de decisão, só está lá para ganhar o seu, que é nosso, mas não sabe patavina de nada.
    Sinto vergonha de muita coisa, mas a culpa não é só minha, mas de todos nós que damos mais valor ao ter do que ao ser.
    Um abraço.

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