terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O lugar um dia faz-se casa


Passei a adolescência em Lisboa, a que somei o tempo do serviço militar; por ter sido marcante na minha vida, Lisboa ficou a ser a “minha” cidade.
Ao Porto fui ter levado pela tropa, vindo de Vila Real, numa tarde de Outono, para completar a formação; fiquei instalado na zona da Arca d´Água, num “hotel” que na altura se chamava Regimento de Transmissões, nem sei se ainda é assim...

Voltei mais tarde por motivos profissionais; a empresa em que trabalhava tinha aí uma importante filial e ponto de distribuição, aonde o pessoal da estrada ia buscar material de apoio e se reunia mensalmente; mas era entrar pela Via Norte, resolver os assuntos e voltar, sem grande demora.

Isto para dizer que o meu tempo de Porto, com prejuízo meu, nunca foi bastante para ficar “apanhado”, para o conhecer como merece; como sou do mato, todos os tempos livres e férias eram passados na aldeia e também na praia, quando havia gente miúda.

Na coluna “Crónica da Cidade”, de domingo, Inês Cardoso escreve bonito com o título que encima este texto, de que transcrevo três parágrafos:

“Os lugares que transportamos são sempre mais marcantes do que aqueles que pisamos. Na nostalgia da distância, teimamos em procurar no destino o que  mais gostávamos na origem. O que acaba por desfocar o olhar e complicar a tarefa à nova residência. Mais ainda quando somos todos raízes: nenhuma terra supera essa paixão pelo que nos sustenta.

O Porto não me entrou pelos olhos e nos primeiros meses custou a entrar-me nos dias. Não que seja difícil ver o óbvio ou ignorar a beleza de tudo o que torna a cidade especial e tão amada pelos turistas. Da largueza elegante dos Aliados ao casario encavalitado a olhar para o Douro e a fazer-se chique na Foz. Da Casa da Música a Serralves, dos jardins do Palácio de Cristal ao Parque da Cidade, do éclair à mediática francesinha.

Mas eu, que tenho a correr nas veias o cheiro a rosmaninho e a esteva, que sou xisto e pinhal, que deliro com o aroma do pão quente no forno, olhava para o Porto com o distanciamento de quem se sente de passagem e demora a ver por dentro. Ou a deixar que o lugar vá fazendo casa em nós”.


Amândio G. Martins



3 comentários:

  1. Também eu, embora viva no Porto há quase trinta anos, não me sinto portuense excepto quando... falo de "éclairs"! Mas aí devo ser simplesmente... guloso.O "éclair de chantilly" da Leitaria da Quinta do Paço devia ser património (material, claro...) da humanidade! Quando lá passo para tomar o autocarro, viro-lhe as costas mas o "apelo" é irresistível e... lá vai mais um! "O pecado mora ao lado" e lambuzo-me todo no trajecto para casa... Afinal Deus deve existir mesmo, para não me ter feito (para já) diabético e ter inventado o "bendito docinho"!

    ResponderEliminar
  2. Nisto das "especialidades" que marcam as terras, o seu "lá vai mais um" troxe-me à memória uma cena que presenciei na pastelaria Moura, em Santo Tirso, aonde acorriam pessoas de todo o lado para os célebres "jesuítas".

    Estavam a uma mesa duas senhoras do Porto, habituais clientes da casa; empanturravam-se com aqueles pastéis enquando uma empregada se atarefava a embrulhar uns quantos para levar cada uma caixa deles. Quando a rapariga puxava o cordel para atar a embalagem, uma das gulosas levanta-se, apressada, e "roubou" um dos que estavam destinados a alguém, já que não mandou repô-lo...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A caixa era... para ela! Para comer deliciada, numa segunda ronda, no remanso do lar... E ainda dizem mal das mulheres! Já agora, um jesuíta acompanhado de um.... éclair, não ia nada mal...

      Eliminar

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.