terça-feira, 29 de maio de 2018

A conquista é tudo e a posse é quase nada

Artigo publicado no jornal Diário da Manhã de Goiânia, Brasil no dia 29/05/2018, caderno Opinião Pública, pag. 2. Um dos poucos jornais no mundo que aceita artigos dos leitores.  Site do jornal: dm.com.br

 O título acima repete literalmente a sábia afirmação do ilustre médico, escritor e diplomata português Júlio Dantas, de saudosa memória, em seu livro "A Ceia dos Cardeais".
Realmente, após a plenitude da euforia da conquista tão cheia de planos, lutas e sacrifícios, sucede o esvaziamento das emoções diante da posse, cujo gozo rotineiro, se isso pode ser chamado de gozo, reclama tantos cuidados geradores dos mais variados aborrecimentos.
A conquista, mesmo com algum sofrimento, é marcada pelo prazeroso entusiasmo do desejo realizado - é tudo o que mais se queria na vida -, enquanto a posse, mesmo proporcionando um certo conforto, não satisfaz a criatura humana tão envolvida pela insaciável ambição, daí tudo acabar em nada, e num nada causador de muitas preocupações. Segundo o poeta francês Chateaubriand, " o coração do homem é uma lira incompleta, onde sempre falta uma corda".
    Conforme expressa o conhecido ditado popular: "Perdemos, às vezes, noites de sono para adquirir algo que depois não nos deixa dormir”. É o caso da pessoa, iludida no consumismo estimulado pela própria administração do País, resolve adquirir um carro em "suaves prestações mensais"; depois não tem condições para honrar seu compromisso, porque, além das parcelas, tem que pagar anualmente caro imposto para licenciamento, isto sem se levar em conta as eventuais multas de trânsito transformadas em fator de arrecadação; o seguro obrigatório; seguro facultativo; contra furto e roubo; gasto com combustível. E o pior: se resolver devolver o carro ao vendedor, seu valor não cobre a dívida. Qualquer coisa que se compra resulta em grandes gastos para sua manutenção.
 E o pensamento do ínclito escriba lusitano não abrange apenas o setor econômico, envolve também a área sentimental. A convivência afetuosa ou namoro tão cheio de sonhos, romantismo e ilusões, em cujo enlevo ele e ela se conquistam, é algo maravilhoso que nem sempre tem continuidade após consumar-se a simples posse sexual, seguida ou não da união estável ou do casamento, quando então surge a realidade da vida a dois, a ser encarada com grande tolerância recíproca e muita compreensão, para que os sonhos não virem pesadelos, transformando o tudo da conquista no nada da posse.
Há muitos e muitas que se comprazem nas meras conquistas irresponsáveis e praticam lesões sentimentais geradoras de graves consequências na pessoa lesada, como bem analisa André Luiz no livro "Vida e Sexo" citado pelo renomado pensador espiritualista Francisco Cândido Xavier, segundo o qual, na comunhão sexual, há um circuito de forças que alimenta psiquicamente o homem e a mulher, sendo que o rompimento de um deles, sem justa causa, pode provocar no outro uma lesão no equilíbrio emotivo, com graves consequências.
Podem existir, como decorrência disso, pessoas nascidas com inibições expiatórias congênitas que as impedem da plena realização da prática de relação sexual.
Independentemente de qualquer inibição, há quem somente aprecie os beijos, abraços e bolinas do namoro, sem relações sexuais, tudo assim de modo espontâneo e consensual, principalmente nos tempos de outrora, em que a mulher era muito tolhida em sua liberdade, pois tinha de resguardar a incolumidade do hímen, o selo da virgindade, sem o qual seria difícil conseguir um casamento, além de sofrer o repúdio da sociedade e da própria  família, que a considerava desonrada, como se honra fosse localizada no órgão genital.  
Certo ou errado, não vou entrar no mérito da coisa, um jovem desse tipo, então estudante de medicina na cidade do Rio de Janeiro, era muito querido por grande número de garotas, e, no seu relacionamento com elas, só ficava no prelúdio da conquista. Nada de final com a posse, ainda que alguma delas de boa situação econômico-social lhe insinuasse a possibilidade de casamento, ou quando uma ou outra de costume liberal — o que era muito raro na época —, se mostrasse disposta a uma total entrega. Ele sabia cativar, com muita paixão e carinho, mas permanecia no meio do caminho. Gostava mesmo é da chamada farra do bode — aquela bem demorada preliminar, mas sem o desfecho do rápido finalmente.
Grande era sua habilidade no trato com o sexo oposto. Segundo Balzac, quem consegue governar uma mulher, consegue governar o mundo. Não é fácil. Facilidade nessa área é praticamente utópica, mas pode acontecer excepcionalmente, quando tudo se concretiza quase graciosamente, como se pode ver na melodiosa composição musical "Folhetim", de Chico Buarque, na suave vozinha de Gal Costa, cujos versos da letra assim expressam: " Sou dessas mulheres que só dizem sim, por uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema, um botequim. Eu te farei as vontades e te farei vaidoso supor que me possuis. Mas, na manhã seguinte, não conta até vinte, te afastes de mim, pois já não vales nada, és página virada, descartada do meu folhetim."
 Vez ou outra, alguma namorada se mostrava disposta a uma entrega total sem objetivo nobre, caso em que a mulher costuma arrepender-se, tal como aconteceu na simbólica história bíblica dos primórdios da humanidade, quando Eva, após a conquista de Adão para a conjunção carnal, por mera sensualidade, alegou ter sido enganada pela serpente da paixão que lhe prometera maravilhas irrealizáveis.  
Tudo não passa de ilusão, e por falar nisso, há quem diga que de ilusão também se vive, ou melhor: Vive-se de ilusão, conforme assim entende o renomado psiquiatra, conferencista e pensador espiritualista Delfino da Costa Machado. O que se leva desta vida é a vida que se leva, porque há uma continuidade boa ou ruim, dependendo de nossos atos no bem ou no mal. Segundo a lei universal de causa e efeito, atribui-se a cada um conforme as suas obras.
Feliz de quem não se julga dono de coisa alguma, sobretudo de pessoas, porque, segundo o grande pensador francês do século XVII, Blaise Pascal,a verdadeira propriedade é apenas aquilo que se pode levar deste mundo, e ninguém leva, após a existência, senão os conhecimentos adquiridos, as experiências vividas, os sentimentos bons ou maus que resultam na realização ou frustação na continuidade da vida nos páramos do mundo extra-físico, porque a morte não é um ponto final, mas apenas uma vírgula.
Tudo aquilo que julgamos nosso, bens ou pessoas, não nos pertence. Somos apenas usufrutuários do que nos foi dado como empréstimo, daí o tudo da conquista e o nada da posse, embora, em termos jurídicos, esta seja muito importante, mesmo sem a boa-fé do posseiro, na hipótese de coisa abandonada por muito tempo que resulta na usucapião (prefiro o tradicional e costumeiro masculino ao invés do pedante feminino — a usucapião).
No âmbito do direito, — um arranjo dos homens nem sempre de acordo com a justiça, que é de Deus—, há muita coisa errada, sobretudo na área das sociedades com grande número de acionistas, que muitas vezes são prejudicados por uma minoria esperta, que sempre comanda a eleição de uma diretoria e acaba se tornando dona de uma propriedade coletiva. Meu saudoso pai sempre dizia: “É preferível ser dono de um bezerro que ser sócio de uma boiada”.
Uma coisa, porém, é certa: os espertalhões têm conta a ajustar com a justiça divina. A injusta posse deles, em detrimento da conquista de muitos, pode ser confiscada por castigo de Deus.

1 comentário:

  1. Gostei do seu texto. No que ao último parágrafo concerne, só tenho a dizer que Deus deve andar muito distraído nesse confiscar...

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