sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Conto de Natal

O texto seguinte, em forma de Conto de Natal, vai ser incluído num livro sob o título "Natal em Palavras", lançado no dia 15 de Dezembro, pela Chiado Editora.
Conto de Natal
Lembro da rigorosidade do Inverno naqueles caminhos que me levavam à escola primária, que distava alguns quilómetros da casa onde vivíamos, com percurso de geada fria, que os pés descalços palmilhavam todos os dias pela manhã, logo a seguir às 8 horas.
Mas tudo indicava de que naquele ano iria ser diferente dos anteriores, pois o meu pai – mercê de grande esforço no parco orçamento familiar - havia comprado umas botas para enfrentar o rigoroso Inverno acabado de chegar.
Tudo decorria de maneira agradável, o grande orgulho de ter umas botas novas, que não só causavam inveja na vizinhança, como também – e sobretudo - aos parceiros de caminhada.
Enfim, a qualidade de vida ganhou dimensões até aí nunca vistas, o contentamento e o orgulho eram perceptíveis, havia algo irreal em mim que quase me fazia andar nas nuvens.
Quando chegou a ansiada noite de Natal, e tal como em todas as noites frias de todos os anos, um grande madeiro ardia na grande chaminé durante toda a noite, o que ajudava ao aquecimento geral da casa.
E por ser noite de Natal, alguém (já não me lembro, mas talvez tivesse sido a minha mãe) sugeriu que se deixasse uma das minhas botas junto à lareira, porque o menino Jesus (nesse tempo ainda não havia o Pai Natal), desceria pela chaminé ao longo da noite e colocaria uma prenda na bota ali deixada.
E assim se fez, e em vez de uma, foram deixadas as duas, uma de cada lado do grande madeiro.
Depois de uma noite de grande excitação, quase sem dormir, eis que logo pela manhã fui na direcção da lareira para ver a prenda, qual não foi o meu espanto quando constatei que uma das botas tinha ardido, em consequência da combustão lenta do madeiro ao longo da noite.
Ao deparar com esta triste realidade, chorei o choro próprio dos meus 8 anos, chorei muito e revoltei-me por todo aquele drama que acabava de me acontecer.
Em consequência desta ocorrência, e porque não existiam recursos para comprar novo par de botas, voltei a ter de enfrentar mais um rigoroso Inverno, palmilhando descalço o caminho até à escola primária, não tendo sido poupado à crueldade dos parceiros de caminhada.
Dinis Evangelista

7 comentários:

  1. Caro Dinis, também vou ter um Conto de Natal na mesma editora. Contudo, não o dou aqui à estampa, para não ser enxovalhado por alguns frequentadores que deambulam por estas paragens.

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  2. Meu Caro José, já não tenho problemas com enxovalhos. Para mim, e não sei se consigo se passa o mesmo, para mim, dizia, o mais importante é tentar o exercício de escrever, ou seja, passar para a escrita algumas ideias que estão apenas na cabeça. Quando pela primeira vez tentar passar para o papel aquilo que pensava, vi que havia grande diferença entre o que pensamos e o "transportar" para a folha de papel. A vida dá-nos espaço para experiências que não devemos desperdiçar. Irei ler o seu conto, embora apenas vá comprar o livro mais tarde devido a ausência. Um abraço.

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  3. Meu Caro Dinis, muito grato lhe fico pelas suas palavras, mas não poderia deixar de lhe exprimir o modo insultuoso como fui tratado por alguns dos que pensam saber mais que outros e, por isso, terem a 'candura' de, não estarem de acordo com o que é escrito, comentar negativamente o que outros escrevem, chegando 'pidescamente' a invocar erradamente coisas passadas. Um abraço.

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  4. Caro José, não tenho problema com comentários negativos ou críticas, desde que tenham lógica e entenda que são justas. E já as tive. Aproveito para lhe dizer que de vez em quando escrevo comentários nos jornais online, onde - como saberá - aparecem "opiniões" insultuosas, e a essas não respondo. Ou melhor, às vezes respondo, dizendo: "como está a recorrer a termos que entendo pouco próprios e inadequados para este espaço, a partir de agora fica a falar sózinho". Mas não deveria ser eu a escrever isto, deveriam ser os ditos jornais a ser criteriosos e evitar que esses insultos fossem publicados, porque é um espaço que os leitores/escrevedores deveriam preservar.

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  5. O que o senhor Dinis Evangelista escreveu nesta resposta suscita-me um comentário que, de vez em quando, me apetece deixar aqui no blogue. É que há quem não consiga destrinçar entre críticas e insultos. Daí a passar para a linguagem ofensiva é um ápice.
    Como o senhor Dinis Evangelista, também acho que, acima de tudo, o importante é o exercício de escrever. Se com isso damos peleja pelas nossas ideias, óptimo. Se andamos apenas à procura de questiúnculas fora do contexto, e apenas de cariz pessoal, já não vejo grande importância na “escrita”.
    Com todos os seus defeitos e limitações, este blogue, comparado com as caixas de comentários dos jornais on-line e algumas redes sociais que por aí proliferam, é feito por autênticos “meninos de coro”.
    É óbvio que, sendo o caso, não reajo a comentários insultuosos. Os seus autores ficarão, naturalmente, a falar sozinhos. Muito menos contribuirei para uma qualquer escalada de insultos ou para manter viva a chama da discórdia agressiva.
    Curiosa esta sequência de comentários num "Conto de Natal"...

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  6. Meu caro José Rodrigues, em primeiro lugar quero agradecer as suas palavras.
    De facto, considero este espaço muito importante para expressarmos as nossas opiniões, mesmo que tenhamos pontos de vista discordantes - penso, aliás, que é da discordância que nasce a luz.
    Mas existem várias formas de manifestar discordância (considero que nos jornais online muitas vezes as discordâncias são transformadas em insultos, e nessa porta não entro).
    Considero muito importante o exercício de passar à escrita aquilo que pensamos, e posso contar uma experiência: aos vinte e poucos anos (eu) queria escrever, mas cedo me apercebi que não conseguia organizar no papel aquilo que pensava.
    E foi por essa altura que li um livro do Baptista Bastos, com o título “As Palavras dos Outros”.
    E o que eram as Palavras dos Outros? Entrevistas a outros. E foi por aqui que comecei, nos anos quentes de 1975. Fui ao desaparecido jornal República e propus fazer entrevistas: estava no serviço militar e lá conhecia colegas de vários pontos do país, que falavam dos problemas que se passavam nas suas terras, o que me dava para – ao deslocar-me – levar estruturado o que ia fazer. Depois era só ir, falar com quem tinha de falar, sobre o que tinha de falar e organizar.
    O jornal República, por essa altura, pagava-me 300 escudos por cada reportagem.
    Presentemente podia escrever mais, mas estou sobrecarregado com actividades numa Universidade Sénior, nas áreas de Teatro e Clube de Leitura.
    E como a vida é feita de experiências, fiz este ano uma das mais interessantes da minha vida, na segunda quinzena de Setembro – uma viagem pela Coreia do Norte, da qual dei conta na Voz da Girafa, em publicação de 29/9/2018.
    Grande abraço para todos aqueles que andam por estas paragens, com ou sem fé, mas de boa-fé.

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  7. Meu caro José Rodrigues, esqueci-me de dizer no comentário anterior, que uma amiga minha já me criticou porque, sendo conto de natal, deveria ser mais alegre, etc. etc.
    E a minha resposta foi simples: se a história se passou assim, porquê contá-la de outra maneira?
    Por outro lado, um primo meu, com mais 3 anos, contou-me outra história das botas do Inverno: ficavam-lhe apertadas, continuou e teve problemas que lhe criaram uma infecção nos pés, e teve de ficar de cama,porque não havia dinheiro para ir ao médico. Nessa altura só ia ao médico quem tinha dinheiro para pagar a consulta. Abraço.

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