quinta-feira, 25 de abril de 2019

Foi mesmo verdade


A dificuldade que sinto nos meus filhos e netos em acreditarem no que lhes conto ser a vida quotidiana em Portugal, antes da Revolução de 1974, é a maior homenagem que sinto dever ao “25 de Abril”. Só pela extrema confiança que em mim depositam é que acreditam mesmo que, nesses tempos, não podíamos conversar despreocupadamente com os amigos numa mesa de café, nos encontrávamos privados de ver alguns filmes, de ler algumas revistas ou livros, que o que líamos nos jornais poderia ter sido alvo de “tesouradas” censórias, ou que, meio aterrorizados, cumpríamos as instruções do nosso pai de não dizermos a ninguém que ele ouvia a BBC. Custa-lhes também acreditar que, por vezes, ficávamos banzados com a notícia de que um amigo da nossa maior confiança tinha deixado de aparecer pelo café porque tinha sido preso pela Pide, ou que, quando uma mulher se deslocava ao estrangeiro, necessitava de autorização prévia do marido.
Todas essas “normalidades”, acompanhadas de gravíssimas iniquidades bem piores,  inimagináveis para quem não viveu tais tempos, justificariam, porventura, que, muitos dias ou semanas depois do dia da libertação, ainda acordássemos pela manhã com aquele pensamento incrédulo na cabeça: “lá tornei a sonhar com isto outra vez”. Realmente, só vivido, porque, contado, dificilmente se acredita.

Público - 25.04.2019 (texto "tesourado" das partes sublinhadas).


3 comentários:

  1. É muito importante que essa memória seja preservada, pois o que damos por adquirido e “ normal” foi conquistado graças à coragem , resiliência e inconformismo de quem não deixou de sonhar !

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    1. Preservar a memória sim, também para que, à semelhança de outras paragens, não sejamos vítimas de um esquecimento planeado que chega ao desaforo de negar a realidade que havia. Porque ela era assim e não de outra maneira.

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