sábado, 13 de abril de 2019

Intervenções médicas e intervenções divinas


Parte da minha vizinhança do mundo rural tem uma maneira muito peculiar de encarar as coisas, em particular as relacionadas com a saúde.
Quando estão doentes, começam por recorrer a alguém (curioso ou curiosa) que lhe faz umas coisas sem nome, regra geral sem lhes cobrar honorários, cada qual dá o que puder.
Como este meio acaba por nunca funcionar, e estou convencido de que (se a situação for ultrapassada), não há relação directa e objectiva com esta intervenção destes/destas curandeiros/as.
A fase seguinte, e como a primeira tentativa não funcionou, é uma ida a Fátima ou qualquer outra entidade semelhante, crentes de que aí encontrarão o remédio para as suas maleitas.
Dizem sempre que ‘é a fé que nos salva’, e não saem deste registo.
Vou contar um caso recente: um vizinha andava com queixas de perda de visão, com agravamento progressivo – o tempo ia passando e o seu estado de saúde piorava, não obstante o pedido de intervenção das entidades acima referidas.
Ao conversar com a pessoa em causa, apercebi-me de que em princípio a senhora tinha problemas de cataratas, aconselhando-a a ir a consulta da especialidade.
Embora pouco ou nada convencida da minha versão, lá foi a uma consulta, e em cerca de dois anos foi operada às cataratas, uma vista de cada vez, tendo a última intervenção ocorrido há menos de 1 mês.
No último fim de semana, voltámos a conversar mais uma vez e disse-me que agora já via bem (já me via), e que valeu mesmo a pena a operação.
E concluiu, agradecendo a todos os seus devotos santinhos o facto de ter recuperado a sua visão, que tanta falta lhe fazia.
Quando lhe disse que seria bom também não esquecer os médicos que a operaram, tendo respondido não descurar o papel desempenhado pelos médicos, mas que sem a intervenção divina as coisas não tinham corrido bem como correram.
A conversa terminou ali, e deu apenas para me lembrar de uma gravação que há cerca de 3 anos passava muitas vezes na TSF, que dizia “como as coisas correram bem, deu graças a Deus, mas se tivessem corrido mal, a culpa era do médico”.

4 comentários:

  1. Esse circuito é uma triste imagem de boa parte do povo português.

    ResponderEliminar
  2. Pior que isso- não é só no “mundo rural” mas em plena urbe - até nas capitais! Pululam teorias “ new age” em relação ao hábitos alimentares e aos tratamentos das doenças sem o mínimo substrato científico; abraçadas como “ religiões “ por pessoas que - em teoria-deveriam ter , pelo menos, um mínimo de espírito crítico, dado terem licenciaturas e mestrados !

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Lúcia Gomes
      Não poderia estar mais de acordo com as suas palavras. Infelizmente, estamos ainda muito perto do atraso que nos caracteriza: Considero muito actual o texto de Guerra Junqueiro, no seu livro "Pátria": "povo macambúzio, besta de carga, etc, ...".

      Eliminar
    2. Boa noite, Dinis Evangelista,
      Não conheço o texto, mas vou procurar!

      Eliminar

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.