sábado, 13 de abril de 2019

Segurança Social e sustentabilidade


O estudo sobre a sustentabilidade do sistema de pensões português, encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, agora apresentado, parte de um pressuposto que é, por definição, o de que o regime previdencial da Segurança Social se deve bastar a si próprio, ou seja, as despesas devem caber nas receitas obtidas. O “inquestionável” pressuposto só o será se se adoptarem determinados preceitos ideológicos. Quão ridículo seria submeter a idêntico pressuposto os sistemas da educação, da saúde, da justiça ou da defesa nacional!... Posto isto, convém lembrar que o referido estudo utiliza um modelo inovador que, por isso mesmo, não está ainda comprovado. Sem discutir a “qualidade” do modelo, em tempos de mudanças rápidas, profundas e, frequentemente, imprevisíveis, basear um estudo em estatísticas e projecções a longuíssimo prazo (2070 não é propriamente ali ao virar da esquina…) é, no mínimo, arriscado demais para se tomarem decisões irreversíveis.
O que resulta claro do estudo é que as medidas preconizadas para “salvação” do sistema são: aumentar a idade da reforma, aumentar as contribuições para o sistema, diminuir os valores das pensões ou, pelo menos, o ritmo de aumento das mesmas. Curiosamente, há um denominador comum a todas as soluções, o de penalizarem os pensionistas, actuais ou futuros. Não se preconizam outras soluções porque (i) não existem, (ii) dá muito trabalho a formulá-las ou (iii) não é essa a via que mais convém a quem fez ou encomendou o estudo?
O que parece inevitável é que, por estes caminhos, se vão prosseguir fins como o embaratecimento generalizado dos salários e a privatização parcial do sistema. Para tudo há estudos, e estes, normalmente, concluem o que nós queremos. E que tal se fizéssemos um estudo sobre a utilidade dos estudos?   

5 comentários:

  1. "Estudos" destes estão sempre inquinados pela vontade camuflada de quem os financia de se abrir caminho à privatização da Segurança Social...

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  2. A minha primeira reacção ao estudo ( e ao tempo em que foi lançado...) foi idêntica à vossa. Ouvi o debate na sexta-feira, RTP3 e "mudei" um bom bocado o pensamento inicial. Falou-se de muita coisa e houve muita reflexão diversa. A seguir atentamente.

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  3. Fernando,
    Alertado pelo seu comentário, procurei o debate na RTP 3 e, se quer que lhe diga, fiquei ainda mais convicto do que escrevi no post. Vou tentar explicar porquê, de forma muito breve.
    Mantenho as reservas ao “estudo”. Não que questione o “campo de trabalho”, ou a metodologia seguida (que não conheço em detalhe), mas porque o acho demasiadamente limitativo. Desde logo porque, numa tentativa de sugestão de abrangência (que, obviamente, não tem) nos leva a raciocinar dentro de um campo de forças imposto à partida que deve ser questionado: o sistema prestacional da Segurança Social tem de ser auto-sustentável (bem sei que já existe comparticipação do Estado via Orçamento, mas isso só reforça a minha tese, na medida em que se poderá colocar a questão de como determinar o peso adequado dessa comparticipação). Tem mesmo de ser auto-sustentável?
    Gostei sobretudo dos “avisos” de Farinha Rodrigues: tudo passa por opções políticas e não por “arranjos mecânicos” de apertar ou desapertar parafusos na máquina, e nunca poderemos esquecer que a questão em presença só poderá ser resolvida completamente no meio de uma multiplicidade de assuntos muito, muito, diversificados. O que me leva a concluir que a questão da redistributividade é fulcral e, nesta matéria, quer queiramos, quer não, entra a política fiscal. Passar por cima disto tudo é entrar num esquema simplista de que o sistema de pensões tem um carácter principal de capitalização onde, claramente, se aplaina o caminho dos fundos privados para entrar na “dança”.
    Ora, uma das coisas que mais me preocupam nesta história toda é que vislumbro (e aqui posso estar errado, mas é assim que penso), que, com estudos destes, se vai metendo, paulatina mas eficazmente, na cabeça das pessoas, que o sistema se deve basear na capitalização das nossas contribuições. Um dia destes, acabará por vir a terreiro o estafado argumento do “utilizador-pagador”.
    Portanto, e em resumo, penso que o “estudo” tem validade curta, com o gravíssimo inconveniente de proporcionar intervenções do género da de David Pontes, no editorial do Público de hoje, em que, de forma que me custa classificar, “acusa” de estupidez e populismo quem rejeita as conclusões do estudo.

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  4. José, mas eu estou de acordo com a estrutura do seu pensamento sobre o assunto. O meu comentário, eventualmento canhestro, referia-se mais ao debate televisivo em si mesmo e à reflexão que lá houve, moemente por parte de Carlos Farinha (tal como disse o José). Quanto ao David Pontes... inteiramente de acordo.

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    1. O seu comentário não foi nada canhestro. Eu é que, com as minhas picuinhices, e ainda sob o efeito da irritação que me causou o David Pontes, quis clarificar o melhor possível o meu pensamento. Obrigado pela oportunidade que me deu para o fazer.

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