sexta-feira, 21 de junho de 2019


Família, família...


Uma sondagem publicada pelo JN revela que, para 87% dos portugueses, não há nada mais importante que a família; mas o que a sondagem não mostra, escreve Rafael Barbosa, é que a família é também uma instituição marcada pela violência.

Só nos primeiros três meses deste ano foram identificados pelas autoridades quatro mil idosos vítimas de violência exercida pela família; e, no que vai de ano, quase duas dezenas de mulheres já foram assassinadas em contexto de más relações familiares; e a maior parte dos crimes sexuais sobre crianças também se verificam no seio da família, sendo que, apesar dos números chocantes revelados, crê-se que ainda haverá muita violência silenciada pelas vítimas.

É uma imagem assustadora de Portugal: gente que mata a mulher, abusa dos filhos e bate nos pais; e a culpa aqui, diz ainda Rafael Barbosa, não é do Estado; é nossa a culpa da violência que se institucionalizou em tantas famílias.

É comum ouvir-se que família é algo que não se escolhe; de facto, começa normalmente com duas pessoas que mal se conhecem, que avançam no desconhecido mal preparadas, e o que daí vai surgir é, à partida, quase sempre uma grande interrogação que, nos tempos que correm, revela cada vez mais fins infelizes, cada vez menos histórias de sucesso.

Diz certa lenda que já houve tempo em que o idoso, quando já não servia para nada, era levado pelo filho mais velho para o alto da montanha, com uma manta velha, para aí terminar os seus dias, mas que tão sinistro costume terá acabado quando um deles, vendo que o filho lhe deixava duas mantas, lhe recomendou que levasse uma de volta, que podia fazer falta quando chegasse a vez de o filho dele o levar ali também, lembrança que terá causado no filho um tal arrepio que se abraçou ao pai e voltou com ele para casa.

 A questão que me ocorre, perante as desgraças que nos são dadas constantemente a conhecer, é se não seria melhor morrer em paz sozinho, no alto do monte, e servir de alimento às aves necrófagas, do que morrer também aos poucos, espancado  diariamente no seio da própria família...


Amândio G. Martins

3 comentários:

  1. Mais uma vez uma sondagem com resultados contraditórios: o grupo mais importante é também o mais perigoso!
    Nestes tempos conturbados falta mesmo, muita paz !

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  2. O seu texto, Amândio, é "central.Como a família. Ia a meio da sua leitura e já me lembrava do que escreveu Marguerite Duras em "O Amante", logo pelo terceiro parágrafo: nasci numa família de grandes "tempestades", o que não espanta pois é no seio das famílias que elas se dão. Também é verdade que, mais a diante, diz: nem sempre uma família é aquela que vive debaixo do mesmo tecto.
    Nota: a trancrição do que disse a escritora e cineasta é livre, não "ipsis verbis«".

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  3. Não sei se será um mal desta península; é que aqui ao lado a desgraça ainda é mais arrepiante. Nos dois mais recentes casos noticiados, dois filhos mataram e emparedaram a mãe em casa e continuaram a receber-lhe a reforma, e um sujeito que matou a mulher, enterrou-a no jardim, cobriu-a com uma placa de gesso e deu queixa à polícia do seu desaparecimento...

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