quarta-feira, 24 de maio de 2023

"No pasa nada"

 

No seu livro “O Optimismo”, diz  Francesco Alberoni  acerca do jogo de futebol: “Alguns defendem que não dá nada, e contrapõem o desporto praticado ao desporto espectáculo, que seria apenas um jogo de emoções, uma embriaguez fantástica, um desabafo dos instintos.

Os sociólogos e os psicólogos, pelo contrário, são mais optimistas e defendem a tese de que o indivíduo tem necessidade, periodicamente, de esquecer a sua própria identidade, de se fundir com o colectivo. No estádio todos são iguais. O advogado, o médico, o operário e o seu chefe, o juíz e a dona de casa, os ricos e os pobres esquecem quem são  e sentem uma embriaguez de liberdade. Explodem em excessos, gritam, abraçam-se, fundem-se todos para formar um novo e poderoso organismo superindividual. Depois, em casa, cada um regressa a si mesmo, à vida de todos os dias”.

 

De seguida, Alberoni dá a sua versão da coisa: “Na realidade o jogo de futebol não é apenas aquela zona franca aonde vão milhões de indivíduos para se esquecerem das regras de comportamento da vida diária, mas é também uma fonte de ensino de valores e de moralidade que depois são úteis precisamente para a vida normal”, e enumera o que de um jogo de futebol se aprende para a vida, afirmando que é a sua síntese emblemática.

 

Mas o racismo tem encontrado no futebol o meio apropriado para se expressar impunemente, como se tem visto por toda a Europa, com Espanha a ocupar um lugar de destaque desde há muito, agora impossível de se lhe fechar os olhos como se fosse coisa de apenas alguns energúmenos; de facto, apesar de só terem detido meia-dúzia de malandros, o que se viu em Valência, dentro e fora do Mestalla, foi uma multidão, cujo focinho ficou bem registado pelas câmaras, chamando macaco a um jogador negro, num coro ensurdecedor: “Eres um mono, Vinicius, eres um mono; puto negro, vete a tu puto país”!...

 

E contra isto não é fácil lutar, porque prender uns quantos para dar exemplo, no meio de uma multidão, não resolve nada, e embora o clamor agora esteja a ser maior, Vinícius vem sendo insultado em todos os jogos em que participa, de um ponto ao outro de Espanha, e há quem sugira como solução radical interromper todo e qualquer jogo onde isso aconteça, seja quem for a vítima, castigando os clubes com a sua repetição à porta fechada, o que talvez refreasse a moléstia, mas ia complicar o regular funcionamento dos campeonatos...

 

Amândio G. Martins

 

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