A política e as ações levadas a cabo por Putin desde que está no poder não são passíveis de qualquer branqueamento. Episódios como os da anexação da Crimeia, da neutralização de adversários políticos, das alegadas interferências em processos eleitorais alheios, designadamente nos EUA, da chantagem económica com que tenta influenciar negativamente outros países, das inúmeras intromissões tendentes a semear a discórdia no seio da UE, de tudo o que é mau e de que nos lembremos, Putin será (e foi) capaz.
Teremos de conceder, porém, que, a par dos seus interesses eminentemente pessoais e dos do seu "grupo de amigos", Putin não deixa por mãos alheias a defesa da Rússia. Como recentemente nos recordava Miguel Sousa Tavares no Expresso (11/12/2021), o Ocidente banalizou na sua opinião pública uma série de exigências que, bem vistas as coisas, não só não são simétricas, como não têm razoabilidade. É absurdo que ele exija dos EUA, da NATO e da UE que se afastem militarmente das suas fronteiras? Mas isso é o que o Ocidente sempre fez à então União Soviética. De pouco servirá dizer-se que as condições e os tempos são outros, porque é bom lembrar como reagiu Kennedy à eventual instalação de mísseis em Cuba, nos anos sessenta do século passado.
Com gente como Putin, todos os cuidados são poucos. Mas ninguém nos garante que os EUA serão sempre governados por gente decente. Lembram-se do Trump?
Público - 02.01.2022 (truncado da parte sublinhada).
Viva Zé Rodrigues! Fiquei muito surpreendido ao ler agora este seu texto. Não o comento já, porque vou sair agora. Assim que tiver possibilidade, fá-lo-ei. Não sei se já leu o meu...
ResponderEliminarOra bem amigo Zé Rodrigues, a minha resposta mais completa, está no ultimo texto que aqui publiquei, e que foi escrito bastante antes de ler este seu. Parece que concordamos que o que se passa no Leste da Europa (e não só) pode ter desenvolvimentos de consequências gravíssimas. Discordamos em absoluto, é quem são os culpados. Volto a sugerir-lhe que leia o meu texto referido. Mas devo dizer-lhe das minhas dúvidas quanto à democracia de Putin e que, como sabe, sou contra o capitalismo que também vigora na Rússia. Mas não é isso que está em causa. O que está em causa, é quem é que ameaça a paz naquela região e no mundo. A resposta já a dei no texto aqui publicado. Quanto à Crimeia, não sabe que a grande maioria do seu povo é russófono? E que houve um referendo? Pode duvidar do seu resultado, mas não foi uma "anexação" qualquer. Sobre a neutralização de adversários, se as houve, claro que também as condeno. Nem que fosse apenas uma. E do outro lado, amigo, os milhões que foram comprovadamente cometidos? Iraque, Líbia, Síria, etc. Interferências nos EUA e UE? Coitadinhos! Tão indefesos! E só Trump é que é o mau da fita? Não vou repetir o que sobre o assunto já aqui publiquei. O assunto é muito sério. Um conflito apocalíptico pode acontecer. A sua gigantesca máquina mediática, justifica os culpados. E silencia-se quem se opõem. Também já aqui escrevi sobre isso " A Comunicação Social e a Democracia". Surpreendentemente para mim, estamos em campos completamente opostos. Bom ano para si e para todos os que aqui escrevem.
ResponderEliminarCaro Francisco Ramalho,
EliminarNão poderia deixar de lhe dar uma resposta, sobretudo para sublinhar aquilo que penso serem imprecisões suas.
Começando pelo fim: não me parece que estejamos “em campos completamente opostos”. Quando muito, em campos “semi-opostos”, se me permite a expressão. Acompanho-o nas críticas ao imperialismo americano, que reconheço sem quaisquer rebuços. Aceito as suas observações sobre o Iraque, a Líbia e a Síria e até poderia acrescentar outros exemplos. O que acontece é que me considero contra todo e qualquer imperialismo, e não me “encosto” a qualquer dos lados. Assim mo exige a independência intelectual. Não aceito, portanto, que me esteja a arrumar na prateleira dos que defendem a “bondade” do imperialismo americano em relação ao imperialismo russo (ou chinês), como muitos, acrítica e sectariamente fazem.
Ainda bem que reconhece que a “democracia de Putin” é, no mínimo, duvidosa. Pessoalmente, ao contrário do Francisco, essa não me levanta quaisquer dúvidas. Aliás, se me permito, às vezes, sentir livre para criticar a democracia que alguns teimam em chamar de “liberal” e eu prefiro designar como “parlamentar”, lembro-me de que, nas terras russas, isso pode ser sacrilégio com direito a severas punições. O Francisco, com toda a certeza, lembra-se de que também já sofremos do mesmo mal. Ora, quem nos livrou de tal pecha foi, nem mais nem menos, a tal democracia “parlamentar” que, pelos lados da Rússia, só existe no papel e de fachada.
Na enumeração dos “pecados” que, no meu texto, atribuí a Putin, fui muito parco. Esse texto, que acabou por ser publicado no Público, destinava-se exactamente a um jornal. Como sabe, as limitações de espaço são severas e, assim, nem sequer me dei ao trabalho de referir muitos outros que são do domínio público. Sem ser exaustiva, Teresa de Sousa, no Público de hoje, enumera alguns. Bem sei que a jornalista se aproxima vezes de mais do tal acantonamento parcial que eu não partilho. Mas factos são factos.
Permita-me corrigi-lo, caro Francisco: o que estava em causa no meu texto não era apurar quem são os verdadeiros culpados do que quer que seja. Só pretendi encontrar alguma “lógica” nos procedimentos defensivos da actual Rússia que, quanto a mim, não diferem dos que o Ocidente pratica e - aí tem toda a razão! - beneficiam de um “apadrinhamento” quase unânime dos media. De resto, entendo as críticas que se fazem à NATO, porque, talvez erradamente, também pensei, na altura do desmantelamento do Pacto de Varsóvia, que aquela, por falta de “inimigo”, se extinguiria também.
Quando referi as interferências em processos eleitorais alheios, não me moveu qualquer sentimento de comiseração pela “fraqueza” dos visados. Apenas apontei para o que parece estar mais do que provado no que toca às guerras cibernéticas. Existem ou não?
Uma palavra sobre a Crimeia: conheço as especificidades do assunto, e sei que a Crimeia, para a Rússia, não é a mesma coisa que o Afeganistão - já sobre o Texas não seria tão categórico - para os EUA (embora estes nunca tivessem pretendido a anexação daquele país asiático). Mas que se tratou de uma anexação pela força, ao arrepio da legislação internacional, parece-me que ninguém tem dúvidas. Pergunto-me se não haveria outras formas mais civilizadas de Putin resolver a contento aquele problema. Escolheu aquela forma e, agora, terá de arrostar com as respectivas responsabilidades e críticas.
Para finalizar: não gosto nada de ver justificações dos próprios erros com os erros alheios. Posiciono tão alto os valores da democracia que exijo dela a máxima limpidez de processos. Portanto, “branquear” os crimes de Putin com a existência de crimes cometidos pelos americanos (ou vice-versa) não me parece uma boa base de discussão. E realço aqui, se me é permitido, a importância daquele “vice-versa” do período anterior.
Bom ano também para si e para todos os que aqui escrevem.
Meu caro José Rodrigues, Não vou responder ponto por ponto ao seu extenso comentário. Não, como deve imaginar, por menos consideração para consigo. Aliás, aproveito já para lhe dizer, que este blogue, dirigido por si, em termos de democracia, é um exemplo, um oásis. Tal como o é (quase), por exemplo, o jornal onde semanalmente colaboro O Setubalense. Mas, meu caro, são oásis neste imenso deserto que é a comunicação social dominante. Tem lido o que aqui tenho publicado? Por exemplo, os dois últimos textos? A Comunicação Social e a Democracia e Porque Hoje é Dia Mundial da Paz ? Aí tem uma resposta muito mais completa a este seu comentário e ao texto que lhe deu origem. Não sei se concordará comigo ,mas o resultado do próximo dia 30, vai ser viciado. A Oposição, tem sido e vai continuar a ser silenciada pela tal CS dominante. Portanto, para se falar de DEMOCRACIA, tínhamos muito que conversar. Mas a mim o que mais me preocupa, é a PAZ. A Paz mundial. Que pode estar em causa. Um potencial conflito de consequências apocalípticas. E o meu receio vai direitinho, como já sabe, se tem lido os meus escritos, para os "américas". Governados por Trump ou Biden. Mas concordo com bastante do seu comentário. Pela consideração, como democrata, que tenho por si, é que fiquei surpreendido com o seu texto inicial. Grande abraço!
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