A cada aniversário do 25 de Abril que passa, torna-se mais notório e enraizado o costume de acompanhar as saudações da data do fim do fascismo em Portugal com a evocação de outros totalitarismos que sempre vêm à baila. O fenómeno atinge todos os sectores à direita do PS, incluindo alguns dos militantes deste partido que, valha a verdade, são tudo menos socialistas. Bem sei que, para se pertencer a um partido político, não é absolutamente necessário que se comungue dos ideais que o próprio nome do partido sugere. Mas é um facto que isso pode enganar muita gente.
Fez-me bem ler a crónica de Carmo Afonso (C.A.), no PÚBLICO de 26 de Abril. Confirma em absoluto a tese que eu venho congeminando há anos para compreender o fenómeno de se misturar na mesma frase o anti-fascismo com o anti-comunismo. Celebrar o anti-fascismo em Portugal faz todo o sentido, sobretudo para quem cá viveu enquanto ele existiu, ou respeita as memórias dos seus pais ou avós. Já celebrar o anti-comunismo não pode ter o mesmo valor, pela simplicíssima razão de que nunca vivemos em comunismo. Haverá sempre quem apareça com os papões do Vasco Gonçalves, da URSS ou de Cuba, mas, de concreto, cá pelo “burgo”, nada. Por outro lado, C.A. tem o cuidado de lembrar a quem já esteja esquecido ou “emprenhe pelos ouvidos” que, aos milhares de comunistas que foram presos, torturados e até assassinados, “por serem a resistência ao regime”, devemos a liberdade democrática. Que me conste, nada devemos aos anti-comunistas que não só não foram presos e torturados, como não nos libertaram de jugo nenhum.
Acima de tudo, agradeço a C.A. a escalpelização da ideia de “liberdade” que, só aparentemente, é do domínio comum. A liberdade alardeada pela IL e outros anti-comunistas nada tem a ver com a “liberdade colectiva e material” que o povo, em 1974, demonstrou querer ao confrontar as classes dominantes na altura, “pondo em causa o seu domínio, poder e propriedade”. A liberdade que não lhes sai da cabeça é apenas a “individual e económica”, pela qual anseiam para, em seu nome, exercerem sobre todos os outros o poderio da força económica e financeira, criando lobbies, monopólios e cartéis, num reforço da “santa propriedade”.
Em Portugal, é espúrio tentar fazer a equivalência do fascismo com o comunismo. Daquele, sabemos tudo, deste, sabemos apenas - e já não é pouco, convenhamos - aquilo que alguns, lá muito longe, fizeram em aplicações práticas que se afastaram dos princípios fundamentais e, na realidade, deram mau resultado.
Mas a confusão entre os conceitos dá muito jeito a alguns profetas do medo. São bons para defenderem a sua coutada privada… não vá o diabo tecê-las.
Público - 29.04.2023 (para publicação no PÚBLICO, com as inerentes razões de economia de espaço, o autor amputou o texto em algumas frases, procurando, no entanto, que o sentido global não fosse beliscado).
Li agora e gostei. Muito lúcido e limpo. Parabéns, caro José Rodrigues.
ResponderEliminarTotalmente de acordo
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