É-nos dito que, ao fornecer armamento à Ucrânia, estamos a defender a democracia contra quem a ameaça, a Rússia, que já cometeu barbaridades amplamente relatadas. Não sei se é legítimo comparar os horrores que vimos em Bucha e Mariupol com os de Rafah. Naqueles, os agredidos tiveram o respaldo do Ocidente, traduzido em fornecimento do que há de melhor na indústria da guerra. Já os palestinianos, ainda que não possuindo apenas as pedras da Intifada, de pouco mais dispõem do que do apoio moral das democracias ocidentais, que é bom de sentir, mas não mata a fome nem ganha guerras.
A geopolítica, por definição, é hipócrita. Refugia-se em explicações dirigidas à indolente aceitação popular, mas enreda-se nos próprios argumentos, ora justificando, ora condenando, os mesmíssimos factos. Seria bom que a coerência imperasse na comunicação “oficial” que nos chega, sem se esconderem as verdadeiras causas que se defendem. No caso, as democracias “liberais”, mas também os interesses económicos nelas instalados, como os da indústria armamentista, sobre a qual Eisenhower, premonitoriamente, expôs as suas enormes reservas. E ele sabia do que falava, como agora, parece-me, está bem à vista de quem quer ver.
Público - 10.06.2024
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