terça-feira, 18 de julho de 2017

A noção do dever

Um dos principais problemas do nosso país, a todos os níveis, é a excessiva preocupação com  aparências e futilidades, em prejuízo da eficiência no cumprimento das obrigações que a cada um cabem em cada caso concreto…
Vemos certos engenheiros que têm nojo de sujar os sapatos no estaleiro das obras, permitindo que haja fugas de toda a ordem no cumprimento dos cadernos de encargos, resultando em construções que se desmoronam às vezes sem estarem acabadas; são os comandantes dos vários escalões da chamada protecção civil, que pouco ou nada protege se a coisa dá mesmo para o torto, que se movimentam no teatro de operações todos engomadinhos, de cintilantes estrelas no uniforme, perante bombeiros carentes de tudo, sufocados pelos fumos, enfarruscados e chamuscados; são os coroneis muito cientes dos seus galões, mas que raras vezes farão a menor ideia de como está a ser protegida a Unidade que comandam, somos todos nós, um pouco por todo o lado, que só nos lembramos de santa Bárbara quando troveja, enfim, um sem número de situações a raiar o caricato!
Àquela velha e relha expressão, “errar é humano”, houve alguém que acrescentou: e atirar as culpas para cima dos outros é ainda mais humano…
Uma impressionante noção do dever levada ao sacrifício máximo deu-ma, ainda na casa dos vinte anos, a leitura de “Os Miseráveis”, em que o inspector da polícia, Javert, tendo descoberto o fugitivo das galés Jean Valjean, o perseguia sem descanso pelas ruas de Paris, preparando o momento oportuno para lhe deitar as mãos.
Mas tendo sido ele próprio apanhado numa barricada de revoltosos, atado de pés e mãos e pronto para ser fuzilado, foi Jean Valjean que o soltou e lhe salvou a vida, tendo-se colocado à sua disposição para ser preso.
E Javert, no terrível dilema de cumprir o dever de defensor da ordem pública e reenviar para as galés o fugitivo à Justiça, e o sentimento de gratidão pelo homem que acabava de lhe salvar a vida, não vendo saída que o dignificasse atirou-se  ao Sena!
De que tipo de gente poderíamos esperar hoje, aqui, um gesto desta dimensão?


                   Amândio G. Martins

2 comentários:

  1. Obrigado, amigo Amândio, por este excelente texto. Já ganhei o dia!

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  2. Obrigado eu, senhor Ramalho, pelas suas palavras. Estou tão pouco habituado a receber elogios destes que até fico um pouco embaraçado...

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