quinta-feira, 20 de julho de 2017

Vigilante da floresta

No tempo em que o trabalho infantil era considerado escola de vida, eu ajudei ao nascimento de uma floresta, à qual já aqui deixei alguns versos na forma de soneto. Era aquele terreno um monte baldio, aonde os habitantes da aldeia levavam o gado, até ser decidido semear aí pinheiros.
E não houve família que não pusesse lá alguém, ganhando uns escassos escudos por dia, para fazer aquela sementeira. Depois de tudo concluído, foi mandado para lá um vigilante permanente, o Magalhães, para que os animais, habituados àquele espaço, não fossem estragar o que foi feito.
Naquele tempo havia muito gado, que não só era fonte de rendimento directo, com leite e crias, como produzia estrume para fertilizar as terras - que ainda não eram “queimadas” com químicos  -  além de que os bovinos faziam todo o tipo de cargas e lavravam os campos puxando os arados; conforme a extensão a lavrar, chegavam a ser precisas quatro parelhas engatadas umas nas outras, já que os  tractores nem miragem ainda eram…
A menos que fosse mesmo tão invernoso que não desse uma aberta - e nesse tempo acontecia chover dias e semanas seguidos -  os gados não comiam nas cortes; eram soltos para as pastagens nos campos e montes e por lá ficavam quase sempre sem vigilância dos donos, que se ocupavam com outras tarefas.
Quando a nova floresta começou a crescer, aquela  verdura brilhando à distância atraía os animais, e era aí que entrava o Magalhães, que raro seria o dia que não fosse entregar a casa dos donos o gado encontrado a fazer mal. E este homem, que era de outra aldeia do Concelho, nunca se zangou com ninguém e nunca participou dos lavradores cujos animais encontrava onde não podiam estar.
Tendo vindo para cá ainda jóvem e solteiro, ganhou a simpatia e respeito de toda a gente, casou com uma moça daqui, tiveram muitos filhos, e já no tempo da Democracia foi eleito presidente da Junta de Freguesia para vários mandatos, que só interrompeu por  vontade própria, pois ainda não havia o  limite que hoje vigora.
Não havendo hoje vigilantes florestais, serve este escrito para prestar sentida homenagem a um homem bom que para cá foi mandado e ficou, deixando grande e respeitada descendência, que ainda podia estar entre nós se não tivesse sido há tempos brutalmente abalroado por um sujeito cujo carro descontrolado lhe passou por cima!  Até logo, senhor António Magalhães de Araújo…


Amândio G. Martins

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