quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Belmiro de Azevedo – para memória futura


Nelson Monteiro e a sua dramática história foram aqui evocados, no passado dia 28, em post de Amândio G. Martins.

Numa altura em que os panegíricos fúnebres, que os portugueses tanto gostam de fazer, vão (já estão a) inundar tudo o que é comunicação social, salientando o mínimo detalhe como grande qualidade de Belmiro de Azevedo, não consigo deixar de associar-lhes a crónica de Rui Cardoso Martins, no JN, citada no referido post.

Tenho a certeza de que, pessoalmente, nem Belmiro nem os chefes máximos da Sonae têm culpas directas no assunto. Provavelmente, nem dele saberiam, pelo menos até à publicação daquela crónica. E não esqueço que, no caso, pode ter havido aproveitamentos abusivos da situação, óptima para branquear pecados de outros, mesmo que longe do cume da hierarquia.

Mas, a verdade é que tudo se passou numa instituição que a família Azevedo domina com mão de ferro, ao que dizem, e que, mesmo que assim não fosse, não retiraria qualquer responsabilidade aos seus máximos dirigentes pelo que se passa dentro de portas. 

Não pretendo denegrir a imagem de Belmiro, nem sequer passar uma esponja sobre muita coisa boa que fez. A começar pelo “Público”, a quem tanto deve a sociedade portuguesa. Reconhecendo-lhe altíssimas capacidades de trabalho, organização e liderança, venho lembrar que a economia portuguesa algo lhe deve, mas, em meu entender, nada que se possa comparar ao que o próprio Belmiro ficou a dever a essa mesma economia. Trabalhou muito e, quase do nada – ponho-me sempre de pé atrás quando vejo um rico que começou do zero! - , construiu um grande império. Que era seu, só seu, não do país. Os dividendos foram recolhidos pelo próprio e por mais ninguém. Mas ele não trabalhou para a economia, antes pô-la a trabalhar para si.

Para os portugueses (só?), os mortos nunca foram maus, só foram bons. Ninguém ousa duvidar das qualidades de quem “já foi”. Sempre me recusei a fazer parte dessa maioria e penso que justiça é lembrar tudo e não só o agradável.

Segundo dizem, o maior empregador do país contribuiu para criar muito emprego. Sem dúvida, mas há que reflectir sobre a qualidade do mesmo. Conheço alguns dos seus empregados (quem não conhece?) e basta perguntar-lhes pelas condições de trabalho que lhes são “oferecidas”. Em caso de dúvida, poderíamos perguntar a Nelson Monteiro se compreendeu o voto contra do PCP e as abstenções do Bloco e dos Verdes na apreciação do voto de pesar da Assembleia da República.



Nota: por razões óbvias, e ao contrário do habitual, não vou enviar este texto com proposta de publicação aos jornais que leio, o Público e o Expresso.

9 comentários:

  1. É óbvio que num conglomerado desta dimensão, à direcção de topo escaparão muitas coisas pouco limpas; mas a tramoia que penalizou aquele rapaz é também um problema de cultura da empresa, porque quem roubava e o acusou a ele foi a própria chefia, que supostamente é recrutada com grande exigência...

    ResponderEliminar
  2. Os panegíricos post mortem são uma característica de todos nós, talvez porque a morte de outro nos coloca pungentemente perante a existência vindoura do nossso desaparecimento. Quanto a Belmiro de Azevedo, que não era guru para mim, vou permitir-me elogiar-lhe uma característica que admirava na sua aparência: era verdadeiramente um PRIVADO, ao contrário da maior parte dos nosso empresários que passam a vida a dizer mal do Estado e simultaneamente se "penduram" nele, quando não nele se introduzem através de "testas de ferro", para o controlarem, amordaçarem e... terem sempre à mão um culpado quando as (suas) coisas lhes correm mal.

    ResponderEliminar
  3. Uma situação a ter em conta, é que a própria esposa que devia conhecê-lo bem, não acreditou nele e não o ajudou. Colocar este episódio num confronto racial, entre brancos e negros, não me parece nada correcto, da mesma forma que pôr responsabilidades à administração de uma empresa com dezenas de milhares de colaboradores, por um caso mal resolvido num determinado espaço de trabalho, que levou 3 anos a ser esclarecido pela justiça, é um raciocínio um pouco simplista e, de certa forma, parcial. A vida tem muitos dias e anos e um erro, numa determinada hora, não pode ser invocado a vida toda.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro senhor Tapadinhas,
      Com todo o respeito e consideração (talvez por isso…), que tenho por si, venho responder ao seu comentário. E começo pela parcialidade de que me acusa. Justamente porque pretendo não a ter, falei das qualidades que permitiram a Belmiro chegar aonde chegou. Contesto a virtude dessas qualidades, mas isso são contas de outro rosário. O ponto fundamental do meu texto é sublinhar que todos os panegíricos sublinham o muito que Portugal deve a Belmiro. Ora, eu acho que é Belmiro quem deve muito a Portugal, de quem se esqueceu, por exemplo, quando transferiu empresas e criou outras para as levezas fiscais da Holanda, deixando o seu patriotismo para trás, a conselho de assessores fiscais que, como sabe, são os maiores na agressividade fiscal. Legal? Claro que sim.
      Quem conhece um pouquinho da Sonae sabe que o tipo de “erros” como os de que estamos a falar não são “um numa determinada hora”, são prática constante nas relações laborais que gerem com a desmesurada desproporção de forças perante os seus funcionários. Os abusos e arbitrariedades são constantes, o uso da força contratual é duvidoso, e tudo isto não só no tamanho dos salários, mas em muitos outros aspectos das relações de trabalho. Felizmente, nem todos acabam com a destruição, ainda que indirecta, de famílias. Palpita-me (não conheço pessoalmente Nelson Monteiro) que muitos não esquecerão, na vida toda, o mal a que foram sujeitos nessa medição de forças desigual. E, francamente, meu amigo, que relevância têm, para este caso as desavenças familiares do homem? Não foi a mulher, penso eu, que lhe pôs uma acção no tribunal. Foi, com toda a certeza, alguém com procuração e poderes conferidos pela administração da Sonae, a tomar essa iniciativa. Logo, as responsabilidades, pelo menos do “erro”, reconhecido em tribunal com a absolvição, são, sem sombra de dúvidas, da administração da empresa, que, para o bem e para o mal, deve assacar para si as consequências dos actos dos seus subordinados enquanto mandatários de ordens que lhes são dadas, mesmo que através de chefias intermédias, e que, em determinada altura, desencadearam um despedimento sumário (as minhas fontes, neste caso, são a notícia do JN que, tanto quanto eu saiba, não foi desmentida).
      Não me move contra Belmiro, ou as organizações que foram suas, quaisquer animosidades de ordem pessoal, tipo inveja, ódio, bajulação ou admiração irracional. O que não me obriga a alinhar com a vassalagem nacional, passe o exagero.
      Se julga simplista o meu raciocínio, é um facto que não relevo, é a sua opinião que, obviamente, não posso partilhar, podendo ser acusado de estar a julgar em causa própria. Já quanto ao “confronto racial”, passo por cima disso, porque acho que não quis atingir-me, mas, francamente, nos textos de Amândio Martins, Rui Cardoso Martins ou no meu, não vejo lá quaisquer resquícios.

      Eliminar
    2. Amigo José Rodrigues
      O maior respeito pela sua pessoa e pelos seus sinceros comentários. Começo por lhe afirmar que não o acusei de qualquer parcialidade neste assunto Belmiro de Azevedo, pois referia-me ao artigo do JN e à apreciação de dele faz o nosso colega de blogue Amândio Martins. Todos temos o direito à nossa opinião, certa ou errada em função dos nossos apreciadores e diferentes percursos. Este blogue é um lugar de encontro, onde cada um, com o respeito devido, manifesta abertamente o seu parecer sobre os diversos assuntos ou factos sociais. Não deve ser um lugar de melindre e de competição. Concordo com muitas das opiniões que aqui são expandidas e, naturalmente, nem com todas, mas isso não me torna adversário de alguém. Todos, aqui, pela forma como nos exprimimos, ansionamos por um mundo melhor e tentamos fazê-lo à nossa maneira. Um abraço lusitano

      Eliminar
  4. Acabei agora de ler o texto e ainda não li os extensos comentários, concordo em grande parte com o mesmo, mas, amigo José Rodrigues, essa da sociedade portuguesa dever muito ao jornal do Belmiro, é para nós rirmos? A propósito, escrevi um texto para o jornal onde colaboro, "O Seixalense". Depois publico-o aqui.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Francisco Ramalho,
      Não o quero convencer a partilhar da minha opinião sobre o Público, apenas dizer-lhe as razões que me levam a pensar desse modo. Para mim - e milhares de portugueses -, o Público é um projecto que, a não existir, revelaria um País ainda mais pobre culturalmente. Se concordo com tudo o que lá se escreve, ao nível da opinião, é óbvio que não. Mas também me é muito útil saber como pensam os outros com quem não concordo. Ora, foi Belmiro quem pagou (literalmente, com dinheiro) essa "aventura" criadora.

      Eliminar
  5. Creio que ninguém discorda da esperteza e da inteligência de Belmiro que aproveitou ao máximo o sistema. O sistema que já Almeida Garrett tão bem descreveu quando perguntava quantos pobres são precisos para fazer um rico.

    ResponderEliminar
  6. Afinal estava a fazer confusão com o texto que escrevi para O Seixalense. Em relação à minha opinião sobre Belmiro de Azevedo, está sinteticamente no texto que aqui publiquei sobre as mortes dele, do Zé Pedro e dos pescadores, dos trabalhadores em geral. E da forma como " Os Públicos" as tratam...

    ResponderEliminar

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.