Arriscar-se pelos mais frágeis...

Voluntário numa  ONG alemã empenhada em socorrer no Mediterâneo os náufragos que os traficantes para lá atiram em frágeis embarcações, Miguel Duarte está a ser processado pelos fascistas que governam Itália como sendo um deles; transcrevo um resumo do que diz Valter Hugo Mãe no seu mais recente texto no JN.

“Perante a vida de alguém, não pode haver ideologia ou pátria. (...) Por mais que vivamos, na esmagadora maioria, não importaremos para alguém tanto quanto Miguel Duarte importou para milhares de pessoas. Seremos uns pálidos exercícios de humanidade, oportunidades acomodadas ou mesmo desperdícios. Os heróis são de outro jeito, são de gesto, porque a nossa comoção diante dos vídeos de gatinhos não nos eleva à condição de sensíveis, apenas nos revela o modo como colocamos o coração no lugar errado.                                      (...)

Passamos por um tempo de absurdização de valores. O elementar parece ser imperceptível para grande número de pessoas, permitindo que o cinismo abata a resistência e a esperança. Aceitamos paulatinamente a limitação das sensibilidades até que um dia não sobre nada para nos sensibilizar senão, exactamente, esses vídeos que não trazem conteúdo, são fugazes alusões a uma ternura inócua.

Se houvesse em cada um a coragem de uma dedicação genuína ao outro talvez nos entendêssemos facilmente como muito maiores do que julgamos ser. Apequenados por nossas pequenas tarefas, a maioria de nós nunca se haverá de deparar com o olhar extremo de alguém que é salvo, de alguém que sobe por nosso braço como pelo  braço de um Deus, um Deus que atendeu a prece.

Esse Deus, eu sempre soube, só poderemos ser nós. Somos nós os agentes de qualquer redenção. Deixar que Miguel Duarte seja preso é aprisionar-nos a todos, capturados pela hipocrisia insuportável de uma política cada vez menos ocupada com ser simplesmente decente”.

Amândio G. Martins