terça-feira, 16 de agosto de 2022

De António Feijó, notável poeta português

 


FÁBULA  ANTIGA

 

No princípio do mundo o Amor não era cego;

Via mesmo através da escuridão cerrada

Com pupilas de lince e olhos de morcego.

 

Mas um dia, brincando, a Demência, irritada,

Num ímpeto de fúria os seus olhos vazou;

Foi a Demência logo às feras condenada,

 

Mas Júpiter, sorrindo, a pena comutou.

A Demência ficou apenas obrigada

A acompanhar o Amor, visto que ela o cegou.

 

Como um pobre que leva um cego pela estrada.

Unidos desde então por invisíveis laços,

Quando o Amor empreende a mais simples jornada,

Vai a Demência adiante a conduzir-lhe os paços.

 

CANÇÃO TZIGANA

 

Das minhas trinta e três amantes

Apenas três me não traíram;

Mas dessas três, sempre constantes,

Duas por fim também partiram.

 

De amor eterno, alto, modelo,

Foi uma só, das trinta e três...

Mas essa, em paga do seu zelo,

Sou eu que a engano muita vez...

 

António Joaquim de Castro Feijó – Ponte de Lima, 1859 – Estocolmo, 1917.

Poeta e diplomata, exerceu funções no Brasil, onde foi honrado pela Academia Brasileira de Letras; daí passou para a Suécia, onde faleceu ainda novo, após a morte da mulher, cuja perda não teve forças para suportar.

 

Transcrito por Amândio G. Martins.

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