FÁBULA ANTIGA
No princípio do mundo o Amor não era cego;
Via mesmo através da escuridão cerrada
Com pupilas de lince e olhos de morcego.
Mas um dia, brincando, a Demência, irritada,
Num ímpeto de fúria os seus olhos vazou;
Foi a Demência logo às feras condenada,
Mas Júpiter, sorrindo, a pena comutou.
A Demência ficou apenas obrigada
A acompanhar o Amor, visto que ela o cegou.
Como um pobre que leva um cego pela estrada.
Unidos desde então por invisíveis laços,
Quando o Amor empreende a mais simples jornada,
Vai a Demência adiante a conduzir-lhe os paços.
CANÇÃO TZIGANA
Das minhas trinta e três amantes
Apenas três me não traíram;
Mas dessas três, sempre constantes,
Duas por fim também partiram.
De amor eterno, alto, modelo,
Foi uma só, das trinta e três...
Mas essa, em paga do seu zelo,
Sou eu que a engano muita vez...
António Joaquim de Castro Feijó – Ponte de Lima, 1859 – Estocolmo, 1917.
Poeta e diplomata, exerceu funções no Brasil, onde foi honrado pela Academia Brasileira de Letras; daí passou para a Suécia, onde faleceu ainda novo, após a morte da mulher, cuja perda não teve forças para suportar.
Transcrito por Amândio G. Martins.
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