Ontem Ulisses/Rui Marques começou a sua particular Odisseia em Vila Praia de Âncora. Caminhei, lenta e seguramente, até Moledo, essa localidade encantadora à qual gosto de voltar para sentir a ventania suave da manhã, e muitas vezes, provar os doces que reluzem nas pastelarias e cafés e encantam o paladar.
Depois desta ténue e indolor etapa, começaram a surgir os Monstros - como na clássica viagem do herói grego. O primeiro foi a estrada, quando deixei Moledo e me adentrei, cautelosamente, no asfalto da estrada - embora fosse a via mais rápida para chegar a Caminha, prefiro o declive dos caminhos, a rusticidade dos atalhas a esta cobra esticada cor de chumbo, de onde, à minha esquerda, disparavam camiões, Autocarros, automóveis como se fossem balas perdidas a apontar a um desamparado alvo humano.
Adentrei-me, ao fim de uns quilómetros, em Caminha. Caminha, Terra de Sidónio Pais, o Presidente -Rei como lhe chamava Fernando Pessoa, o carismático Presidente da República que criou a Sopa dos Pobres, e que morreu baleado na Estação do Rossio, em 1918, a 5 de Dezembro de 1918 no rescaldo da contestação social pelo massacre das tropas portuguesas na Batalha de La Lys.
Caminha, Vila antiga com a inconfundível Torre do Relógio, que constitui a única Torre que sobreviveu da Vila primitiva. Funcionava como Torre de Menagem e nela estava inscrita a pedra das armas ( símbolo da autoridade régia) e uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, doada pelo rei D. João IV de Portugal, no seguimento da Guerra da Restauração - o sino do relógio foi incrustado na Torre em 1610.
Após uma passagem pela Biblioteca de Caminha, onde além dos recursos habituais, encontramos por exemplo, um espaço onde podemos ver miniaturas que reproduzem objectos da antiguidade romana e pré-romana, mapas e informações sobre os nossos ancestrais parentes e o modo como povoaram e viveram no Território minhoto.
Visitado o Templo das palavras, rezado às Musas do saber, lidos os jornais e vista esses novos augúrios que agora, não se encontram na predição dos augures ou dos profetas, mas nas páginas da Internet, Ulisses retomou o caminho. E aqui chegou o segundo Monstro que se revelou benévolo - descobri-o no Parque da Foz do Minho, nos Pinheiros que mexiam as extremidades com um desassombro sobre-humano - eu passava, pobre criatura que teme que os Deuses desabem sobre a sua cabeça, por entre essas criaturas diabólicas e belas, que me faziam lembrar as árvores que as Bruxas profetizam que se erguerão para destruir Macbeth - numa das obras-primas de Shaekspeare - e que acabam por ser usadas, com inteligência pelos inimigos do usurpador do Reino da Escócia, para cercar o seu Castelo e levá-lo à loucura.
Passado o Bosque encantado dos Pinheiros gigantes, Ulisses banhou-se em Moledo. Enfrentou o Vento furioso e as areias pegajosas que se colavam à sua roupa como lacras ou parasitas.
Depois empreendeu o regresso a casa. Mais uns dois, três quilómetros e chegou.
Só faltava Penélope, semi-deusa espreguiçada na cama, de braços abertos e lábios sedutores, no leito do Herói. Ulisses tinha feito a sua particular Odisseia, mais uma, no Verão de 2013.
Rui Marques