Raras são as vezes em que os militares são chamados a
sentarem-se à mesa do Poder, como sucede por estes dias. Sabemos da sua
importância e também conhecemos o sabor que eles sentem nessas ocasiões. Eles
gostam de ser apaparicados. São momentos que lhes aumentam a estima, o brilho e
o peso dos galões. Já andam um pouco enfadados de fazer jogos de cartas na
Messe, entre uma paciência vezes
repetida, e uma partida de bridge,
apoiados num William Lawsons, com ou sem pedra de gelo. Também tive a minha vez
de fazer luzir um galão aos ombros
por cá e por África. Sei do que falo. “Quem
são eles quem são eles. Onde é que eles estão”? Exclamaria o palmelão e ex-leão. Façamos um traço da
sua condição. Os militares apreciam estas chamadas à formatura governamental, e
a pronunciarem-se sobre o que os incomoda e se arrasta por dentro dos quartéis,
em surdina por vezes. São matreiros só quanto baste, acreditem. Mas são
sobretudo feitos de espinha dorsal, quase todos. Há excepções, claro. Aqueles
para quem a farda serve apenas para camuflar outros gestos e atitudes, numa
parada aonde desfilarão nus, mais cedo que tarde. Falham no entanto como todos
nós. Com maior gravidade ou piores efeitos, com certeza, já que a área em que
se movem é fundamental para o equilíbrio e estabilidade do país. Mas erram. São
homens como outros, só que quando fardados parecem um corpo com mais armas.
Armas que no entanto lhes escapam, sabe-se lá por onde e como. Perguntas que
fazem parte do manual de estratégia de guerra no terreno e de sobrevivência. Quando, como, por onde e para onde.
Estas, as interrogações que se formulam na hora de decidir uma tomada de
posição, sem equívocos e sem hesitações, quando se pretende sair de um lugar
para ocupar outro mais objectivo. São no entanto, íntegros. Homens que uma vez
dada a palavra, neles se pode confiar. Assim deve e terá de ser, uma vez que
são os elementos de defesa e de segurança, dentro da normalidade e da Lei, de
um povo e de uma nação. Neles está depositada a confiança da Lealdade. Porém,
eles sem actividade num qualquer teatro
de operações (expressão que lhes é cara), sério e contínuo, tornam-se
invisíveis, apagados, e não gostam. Ocupam com paciência de missionário, o
convento que virou quartel, e velhas instalações conservadas, que deram em
pousadas. Sentem-se bem no rebuliço ordenado, e por entre o guarda-mato e o
ponto de mira. Por isso os governantes e políticos em geral, são forçados a
estabelecerem com eles as melhores relações, proximidades, e boas práticas de
tratamento. Usarem de pinças e de luvas. Os militares usam-nas, até para
pegarem em espadas fora da caserna. À mesa, porém, sabem usar de etiqueta. O
militar ainda recorda o fascínio que provocava nas mulheres, que se embeiçavam
pelos vincos e pelo talhe da vestimenta. Kubrick sabia-o e projectou-os de
algum modo, em Barry Lyndon. Cenário idílico e bélico sempre. A boçalidade que
se lhes cola, ficou no retrato antigo, do regime velho e com tom colonial. A
Democracia fardou-os com valores e sentidos mais amplos. Tornou-os ainda mais
cavalheiros, a par de camaradas. Hoje eles estão à mesa com os que comandam os
destinos do país civil, a trocarem argumentos e a porem as cartas todas na
mesa. Sabemos que eles escrutinam a limpeza das ordens emanadas para serem
postas em marcha. Podem adiar mas não são de rodeios. E foi no adiar que
cometeram graves erros, em desconcerto na fiscalização e segurança dos paióis.
Hoje eles têm muito vagar, para traçar estratégias e escalas de serviço para
manterem os seus quartéis a salvo de qualquer assalto, ridículo sobretudo.
Capaz de os envergonhar, como reconheceram, e até os levaram à demissão e
exoneração dos cargos e das fardas. Dispensam qualquer protagonismo mas querem
atenção. Não querem dar ao gatilho mas antes emitir opinião. Os políticos,
também terão que aprender a comportarem-se na formatura com a mesma disciplina
que aos militares é exigida. Entre estes entretainer`s parlamentares a coisa é
mais difícil, pois à maior parte falta-lhes a coluna vertebral, firme, que os
militares sentem e dela fazem questão, enquanto corpo e corporação de boas
práticas e costumes, que assentam na disciplina, na ética e no código de honra.
Agora, passados estes dias de verão quente e trágico, e embrulhados numa crise,
não os mandem regressar aos quartéis, sem lhes manifestarem o respeito e o
reconhecimento da sua importância. Eles procuram soluções e não reclusões e
silêncio, e muito menos que tudo fique a marcar passo ou em águas de bacalhau
podre.
*-(publicado no DN.madªem 19/08/2017)
Já confessei o meu lado pouco castrense. O seu texto, caro Joaquim, possui, como sempre, imensa cultura, o seu talento de escrita, acutilância e... a sua admiração pelas "virtudes" da corporação militar. Não o acompanho nessa admiração mas admiro a forma brilhante como a defende.
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