“Da
minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo.”
Fernando Pessoa tem uma dimensão universal. É escasso (
para não se dizer aviltante) só ser recordado na toponímia de uma esquina, num
apontamento escultórico num largo recôndito com carros estacionados em cima do
passeio, nas referências infantilóides e mal escritas nos guias da cidade, mesmo que em múltiplos idiomas, como
suporte de copos numa loja de recordações portuguesas, vendidos por um
paquistanes com a melhor das intenções em representar-nos bem.
Lisboa é Fernando Pessoa, mais até que o Santo António,
cidadão ilustre mas de dupla nacionalidade. Está para aparecer alguém que tenha
escrito tão bem e profundamente a sua
cidade-mundo como ele o fez, e que por isso mesmo a tenha amado-sofrido tanto.
Fernando Pessoa não pode ser só uma estátua cagada pelos
pombos à noite e fotografada por turistas à luz do dia. Tão pouco ter uma
casa-museu que os lisboetas mal conhecem, fechada sobre si mesma, esotérica,
com actividade e programação divulgada ao grupo muito restricto dos intelectuais-ratos-sócios dos clubes do “bolinha”,
afastada do pulsar da cidade, dos seus cidadãos, novos ou velhos.
Uma cidade que quer ser o primeiro destino turístico do
mundo e arredores, aparecer com dez estrelas no “Top” das revistas que promovem
votações dos destinos tutísticos, que se quer rir de desprezo por Paris,
Londres, Roma ou Madrid, mas tratar com quase desrespeito aquilo que mais a
pode destacar e valorizar, ou está deslumbrada, ou é megalómana, ou tonta.
Mas às cidades não podemos dar estes epítetos, só às
pessoas que as gerem, e aos seus activos (os monumentos e a história que a faz)
As cidades que apreciam e respeitam quem lhes dá
identidade, que acrescenta alma, aguça a curiosidade de quem visita - estranho
estrangeiro –, cuidam com os mil
cuidados com que se cuida um objecto de porcelana, da imagem dos seus ilustres fregueses, a que tanto devem, porque
essa imagem é o melhor cartão de visita da cidade.
Sobre a estátua do poeta pouco há a dizer: cumpre a
função de cagatório e “spot”
fotográfico.
Sobre a sua casa-museu há um encadeamento de perguntas
que gostaríamos de obter resposta, insistindo que não queremos omissão da
resposta, que é uma forma recorrente e ardilosa de alguns agentes da “cultura”(e
outros) em Portugal, não responderem à sua omissão de ideias, usando o silêncio
dos pingos da chuva a ver se passam entre eles sem se molharem.
Sobre a casa-museu, há tudo a dizer, porque nunca nada
foi ainda dito, e hoje é um bom dia para se fazerem perguntas:
1.
A missão da EGEAC (Organismo opaco que gere entre outras coisas alguns espaços
de cultura e faz a programação dos mesmos), tem como missão nos seus estatutos:
“Ser líder na criação e promoção cultural na
cidade de Lisboa, referência na
gestão de espaços e eventos culturais, agente de valorização patrimonial e catalisador de uma rede artística
e cultural.”
“Criar uma personalidade cultural
única e distintiva para a cidade de Lisboa,
estimulando a criação e promoção artística, investindo em projetos culturais de referência e
potenciando o diálogo entre a cidade e os
seus públicos locais, nacionais e internacionais”
2.
Relativamente à casa-museu Fernando Pessoa onde
entram e como se explicam as expressões:
“promoção cultural”,”catalisador de uma rede artística e cultural”,
“personalidade cultural”, “promoção artística”, “investir em projectos
culturais de referência”, “POTENCIAR O DIÁLOGO ENTRE A CIDADE E OS SEUS PÚBLICOS
LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS”?
3.
Façam um inquérito aos lisboetas e
perguntem-lhes quando foi a última vez que ouviram falar da Casa fernando
Pessoa? Qual foi o último evento relevante associado a este nome-marca? Que
contacto regular têm com a programação artístico-cultural deste
estabelecimento? Quando foi a última vez que visitaram o espaço? Como se chama
o seu/sua curador/a/director/directora? O que conhece do seu curriculum?
Reconhece-lhe competência e experiência para desenvolver a dinâmica de uma casa
com um nome deste tamanho?
Todos – ou quase – reconhecemos que os recursos do país
são escassos , mas infelizmente muito poucos reconhecem que mesmo escassos, se
bem geridos, poderiam atingir melhores objectivos.
E não o reconhecem por uma de duas razões: ou são os que estão
dentro dos círculos de influência, e dividem entre si as oportunidades, e mal
ou bem (isso nem sequer interessa), saltitam de posto, ora aqui, ora ali, e
independentemente do que fizerem – mesmo não fazendo nada – ninguém os vai
chamar a atenção e terão sempre garantidas as trocas de cadeiras; ou são os que
estão fora, e esses por apatia intrínseca, adormecimento congénito, alheamento
da realidade pelo consumo de bens tangíveis e intangíveis causadores de poluição
mental destrutiva, não se interessam por absolutamente nada à excepção das
drogas descritas anteriormente.
O que seria de Barcelona sem a associação com nome de
Gaudi ou Tàpies; o que seria de Madrid sem o Velásquez; de Dublin sem Joyce....
O que será de Lisboa, com uma casa Fernando Pessoa assim?
E as pombas que não as exterminam e são uma praga para os
monumentos?
Uma análise crítica e oportuna, agora que vamos ter uma nova equipa no Ministério da Cultura. A Casa Fernando Pessoa é um feudo do EGEAC, que está subordinado à Câmara Municipal de Lisboa, mas ainda que tenha uma relativa autonomia, deve ter um actividade mais aberta ao povo e não ser um espaço para albergar uns quantos funcionários. É preciso meter mãos à obra e trazer a obra do poeta à luz do dia.
ResponderEliminarCom um povo que cada vez consome lixo, lixada está e estará. Ainda alguém responderá que Fernando é pessoa; todos nós somos.
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