Fernão Mendes Pinto-O homem e o mito
É tão rica a personalidade deste homem prodigioso que dela
se geraram dois mitos opostos – o do mentiroso sem escrúpulos e o do herói de
um poema épico.
Marinheiro, diplomata, escravo, mercador e missionário, tudo
isto Mendes Pinto foi sendo pela vida fora; e o encanto e sedução de uma tal
vida foram relevados depois de 1640, quando a nação resurge e com ela se
revigoram os nomes de Camões, Mendes Pinto e outras figuras grandes da época,
mesmo que antagónicas entre si.
De uma família muito pobre de Montemor-o-Velho, foi levado
por um tio, com a idade de doze anos, para a casa de uma fidalga de Lisboa, uma
senhora com quem o pequeno poderia encontrar o princípio de uma carreira.
Sucedeu que, pouco tempo depois, terá presenciado alguma coisa de tal forma escabrosa,
que dela só mais tarde revelou “ter visto a morte diante dos olhos”; assustado,
fugiu daquela casa e só parou no cais da cidade, refugiando-se numa caravela,
que na viagem foi atacada por piratas, começando aí uma vida de aventura que o
levou a situações em que foi “treze vezes cativo e dezassete vendido”.
Foi missionário jesuíta e companheiro, no Japão, do espanhol
S. Francisco Xavier, e durante algum tempo os jesuítas serviram-se dos seus
muitos conhecimentos e fortuna adquirida como mercador para se expandirem,
embora mais tarde, quando abandonou a Companhia de Jesus para regressar à
pátria e formar familia, tudo tivessem feito para o desacreditar. Passou os
últimos anos esquecido na aldeia do Pragal, na margem Sul, onde escreveu o livro
e lhe nasceram os filhos.
O que se sabe de Fernão Mendes Pinto, do homem e da sua
vida, não é pouco, embora muitas particularidades se mantenham no mais obscuro
mistério; e é nos momentos maiores da sua aventura pelas rotas do Oriente que
os mistérios e as controvérsias se
adensam, embora o navegador nos tenha legado a notável autobiografia
“Peregrinação”, pela primeira vez editado em 1614, trinta anos depois da sua morte.
Muita coisa que diz nesta obra se pôs em dúvida, geralmente
orientada no sentido de pôr em causa a sua idoneidade, tendo os seus detractores
criado o ditoche “Fernão, mentes? Minto”. A obra começa a ser escrita muitos
anos depois dos factos a que diz respeito, depois de ter regressado da sua vida
aventurosa, e não é natural que nas andanças em que se viu constantemente
metido tivesse oportunidade de arquivar notas e mais tarde socorrer-se delas; e
se as tivesse tomado, decerto as teria perdido, ou delas sido despojado, tantas
foram as vezes que naufragou, esteve preso e reduzido às condições mais básicas
da existência.
O simples facto de ter escrito “Peregrinação” depois desta
ter terminado, e de ter ela durado cerca de vinte anos da vida do autor, e de
estar ela repleta dos mais diversos acontecimentos vividos em países distantes,
tudo isto pode ter contribuído para que na redacção se verificassem algumas
ambiguidades, mas a verdade da sua existência chega largamente para ainda hoje
poder ser considerado um dos mais extraordinários livros de todos os tempos. E
estudiosos das mais diversas latitudes concluíram que o Homem se sobrepõe largamentre
ao mito
Amândio G. Martins
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.