Neste país/mundo em que vivemos, cada vez mais desumanizado, comandado por mercados e agências de rating sem rosto, já quase ninguém se admira das enormidades que nos entram pela casa a dentro diariamente, apesar de muitas delas serem de uma violência, física e psicológica devastadoras e me parecer ser quase impossível ignorar.
Pessoalmente incomodam-me, sobretudo se foram notícias que tenham a ver com crianças e idosos.
Incomodam-me, tiram-me o sono e o apetite, consomem-me a alma e revoltam-me e talvez por isso não consiga ficar calada. Tenho consciência de que, provavelmente, mais uma vez estarei a malhar em ferro frio e que o que vou dizer poderá “sensibilizar” uns quantos durante breves segundos, fazer parar para pensar uns outros durante um minutos e depois “a vida” seguirá o seu incontornável percurso de destruição do pouco de humano que ainda existe em nós, porque “não podemos fazer nada” para alterar estes “tristes casos”.
Mas a verdade é que podemos… se quisermos, podemos, mas temos que querer. E para querer as situações têm que nos incomodar ao ponto de nos fazer agir. Certamente é este o click que está a faltar, por ignorância, comodismo ou desleixo; é o sentirmos a dor do outro como se fosse nossa e sairmos da nossa zona de conforto para começarmos a fazer a diferença.
A esperança média de vida aumentou em quase todos os países da Europa mas ao contrário do que seria expectável isso não tem sido uma boa conquista para a humanidade, nomeadamente para os visados, os séniores.
Quase diariamente nos cruzamos com histórias de maus tratos, de abandonos, violência, escravidão em que idosos são ignorados pelas famílias, maltratados em lares, abandonados nos hospitais, dando uma imagem de um país que perdeu a decência.
Ainda há poucos dias foi notícia na nossa cidade o espancamento em pleno dia de um idoso octogenário por alguém, não sei se familiar ou não. Este caso passou-se na via pública e por isso foi tão comentado, mas a grande maioria dos maus tratos passa-se entre portas e no silêncio dos lares, não permitindo às vitimas queixar-se, pelo que nos passa ao lado.
Mas, casos como estes demonstram de forma exemplar o quanto a nossa sociedade está doente e como a inversão de valores que nos regulam a vida e o ser nos está a transformar em pequenos monstrinhos desprovidos de emotividade e de afectos.
Pessoalmente não posso aceitar que coisas destas se passem todos os dias e que isso seja considerado normal, ou uma das contingências das dificuldades da vida. Não posso e não quero deixar que casos destes sejam apenas notícia de abertura de telejornais e que os privilegiados que têm casa e jantar para comer continuem a fazê-lo sem que comida se lhes enrole na boca, como se estivessem a ver a Casa dos Segredos em versão macabra.
Dir-me-ão alguns, como já ouvi dizer: mas isto sempre se passou em Portugal e no mundo e agora só falam disto porque a comunicação social é apenas sensacionalista.
É verdade, eu não sou ingénua, e sei que muita da comunicação social que temos em Portugal e no mundo é manipulada, mostra umas coisas e esconde outras, é reativa e não pedagógica nem verdadeiramente informativa, mas nestes casos em concreto, ainda bem que mostra, porque não é porque sempre se passou que passa a ser “normal”.
Entristece-me a leveza como tanta gente encara estes crimes e a incapacidade de verem para além do óbvio. Estes casos não são “simples” casos de maus tratos a seres humanos; são uma variável assustadoramente constante do actual paradigma societal em que vivemos, no qual o valor da vida é algo descartável, ajudando a potenciar fenómenos de desumanização de insensibilidade social.
Não sei se ainda vamos a tempo, mas enquanto tiver vida, saúde e filhos moralmente bem formados, que como eu se revoltam com notícias destas, não me demitirei da minha responsabilidade de denunciar, mas sobretudo de apelar a uma mudança de políticas e que a pessoa seja o centro de tudo e não o apêndice, porque só assim poderemos fazer alguma coisa para inverter esta crueza nas relações humanas que permite que tais enormidades aconteçam.
Nos dias de hoje os filhos têm cada vez menos tempo para os pais e avós e os laços familiares estão cada vez mais fragmentados. Existem muitas instituições de acolhimentos de idosos, mas para maioria das famílias os preços são proibitivos e não é fácil arranjar vaga, para além do facto de muitos deles serem apenas depósitos de pessoas com graves lacunas na formação ética, moral e afectiva dos seus funcionários.
Portugal é um país envelhecido. Muito na moda estão as políticas de envelhecimento ativo, as universidades sénior e todo um conjunto de tendências que são de aplaudir mas que apenas cobrem uma ínfima parte das necessidades, pelo que urge tornar esta temática como central nas opções políticas do nosso país sob pena de se multiplicarem ad eternum os casos referidos. Porque, afinal aquilo que se pede é até bastante básico; o que se pede é Dignidade no envelhecimento. Será pedir muito?
Permitam-me um último desabafo: quando vejo coisas destas na supostamente “desenvolvida Europa” de que fazemos parte, e que gira em torno da materialidade e do consumo, fico cada vez mais com a certeza que temos tanto a aprender com alguns povos ditos subdesenvolvidos, onde a idade é reverenciada e considerada o cerne da cultura, dos afetos, da cidadania e da organização social.
Opinião polémica?
Talvez. Mas creio, modestamente, com matéria para reflexão.
Graça CostaSocióloga
http://www.tomartv.com/2016/04/este-pais-nao-e-para-velhos-opiniao/
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.