Convívios contranatura...
Desde muito miúdo que o meu primo Dionísio alimenta o mau
hábito de surripiar dos ninhos certas espécies selvagens e tenta criá-las para
satisfação pessoal; trata-se de um homem que, para além de se ter feito um bom
profissional na arte de trabalhar a madeira, cuja actividade exerceu o tempo
todo na Àfrica do Sul, nada mais quis aprender daquilo que é indispensável para
uma boa vivência em sociedade.
Solteirão empedernido, agora que está velho e reformado,
recuperou o antigo vício com o qual se diverte, mesmo sabendo que hoje a lei
lhe não permite fazer o que faz com algumas aves, embora com os corvos lhe não
possam pegar muito porque usa de uma táctica manhosa, que consiste em
impedí-los de voar quando estão prestes a fazê-lo, pelo corte sucessivo de
algumas penas das asas, deixando-os por ali a saltitar em regime livre, até que
se afeiçoam ao sítio; depois experimenta
deixá-los partir à vontade e tem tido sucesso, pois andam livres por onde
querem, juntam-se aos bandos que por aqui passam com frequência, mas voltam
sempre a casa, talvez porque não são aceites ou, mais plausível, se habituaram
a ter comida sem se esforçarem por ela.
E é aqui que entra o
que li no JN acerca dos problemas que os corvos estão a causar em Vancôvar, no
Canadá, atacando as pessoas de forma preocupante, como aqui em alguns lugares já
acontece com as gaivotas à procura de alimento; se não o encontram facilmente
no habitat natural, depressa descobrem que nos meios urbanos ele é abundante,
dado o pouco cuidado na acomodação dos lixos domésticos.
Aves muito inteligentes, os corvos interagem facilmente com
as pessoas, roubam descaradamente qualquer coisa que possam e articulam algumas
palavras e imitam sons que ouvem com mais frequência; como moro perto do meu
primo, o passaroco que agora possui aparece-me com frequência, às vezes
disfarçado de rã a coaxar em cima de uma árvore; o que ando a tentar neste
momento, quando o cumprimento com um “olá preto”, é fazer com que ele um belo
dia assim saúde o “patrão”, que é indecentemente racista...
Amândio G. Martins
Uma invulgar, interessante e pitoresca história. Obrigado,Sr. Amândio, por no-la ter contado.
ResponderEliminarConfesso que senti um arrepio (ou vários). Misto de Hitchcock e Poe, é, no mínimo, perturbante.
ResponderEliminarEu é que agradeço aos dois pela paciência de me terem lido...
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