Crónicas deliciosas III
Continuando a respigar no livro de José Eduardo Agualusa,
diz este escritor de língua portuguesa na crónica “O segredo de Passo Fundo”:
Muitos editores portugueses continuam a lançar livros como
se fossem artigos funerários. Fazem-no com a mesma discrição, o mesmo desgosto, o mesmo falso
pudor com que um cangalheiro divulga os seus serviços. Não admira que vendam
poucos livros. Admirável é que consigam vender alguns.
A Feira do Livro de Lisboa, o maior acontecimento do género
em Portugal, cumpre-se, a cada ano, como uma fatalidade. Levantam-se no Parque
Eduardo VII aqueles casebres tristes – tão feios, meu Deus, tão desamparados! –
enchem-se de livros, muitos livros, e os portugueses vão, em multidão
melancólica, poupar uns tostões.
Há encontros de escritores com os seus leitores? Diz-se que
sim, murmura-se que tais coisas por vezes acontecem, mas acho que nunca ninguém
viu nenhum. Aproveita-se a ocasião para realizar eventos paralelos ligados à
produção literária, tradução, direitos de autor, artes gráficas? Não. A maioria
dos editores estão interessados apenas em vender livros. Poucos se preocupam
com o essencial: formar leitores.
Vêm estas lamentações a propósito de um encontro de
literatura que decorreu recentemente numa pequena cidade do Sul do Brasil, as
jornadas de literatura de Passo Fundo, que já vai na sua oitava edição. Durante
uma semana a iniciativa juntou debaixo de uma enorme tenda de circo cerca de
quatro mil pessoas! Muitas destas pessoas vieram de longe e pagaram para ouvir
escritores de diferentes países discutirem a censura, literaturas marginais ou
os temas proibidos nos livros para crianças.
No encontro de Passo Fundo, além das mesas redondas com
escritores e dos espectáculos de música, poesia e teatro, todos celebrando a
nossa língua portuguesa, decorreram ainda, este ano, mais de duas dezenas de
cursos livres sobre vários temas. Finalmente, a Prefeitura Municipal de Passo
Fundo instituíu um prémio literário, aberto a todos os escritores do espaço
lusófono.
O facto de uma pequena cidade ser capaz de organizar, de
dois em dois anos, uma iniciativa com tamanha envergadura, ignorando inclusivé
o apoio das grandes instituições, é a melhor resposta para todos quantos
duvidam do futuro da literatura em língua portuguesa.
Amândio G. Martins
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