Esta é uma visão do lado de cá do Atlântico, de quem nunca pôs os pés no Brasil e que, por acaso e só por isso, não convive com ninguém da grande comunidade brasileira em Portugal.
O tema cá impõe-se, como seria de esperar. Pertencerei quiçá à larga maioria dos portugueses que assistem com um misto de perplexidade e desconforto às convulsões, e são muitas, da nação brasileira. É que, mesmo para os relaxadíssimos padrões lusos de justiça e ética no desempenho de cargos públicos, o que se passa no Brasil é incompreensível.
E não ficamos pela pouco saudável relação da Justiça com o poder político, temos também o papel das diversas igrejas brasileiras, cujos dirigentes se prestam ao jogo político com despudor.
A acrescentar a tudo isto, o discurso e o comportamento público dos actores, que vai desde o bronco ao insulto directo, sem grandes filtros.
Neste ambiente de pouca exigência política é expectável que emirjam na cena política brasileira personagens de perfil pouco recomendável e não estou a falar das opções ideológicas de cada um. E se às vezes me custa ser cidadão/eleitor em Portugal, por manifesta falta de opções, não queria estar na pele dos nossos irmãos brasileiros, a quem finalmente restou escolher entre dois broncos de grosso quilate.
Seria redutor se não disséssemos que também se escolheu entre dois modelos de sociedade mas a que preço e com que interpretes.
Do lado de cá do Atlântico resta-me o triste consolo da notícia da intenção de poupar a Amazónia. Mas com o país rigorosamente partido ao meio, uma parte da população no limiar da fome e tendo em conta o perfil do personagem que ganhou, nada está garantido.
Compreendo a decepção dos que viram os debates entre Lula e Bolsonaro, e, em consequência, passarem rapidamente para a conclusão de que ambos são “iguais”. Broncos, ponto final.
ResponderEliminarNão me parece conclusão muito acertada. Embora prejudicada pela pose arruaceira do seu oponente, Lula mostrou sempre uma almejada elevação, mais consentânea com a ideia que, aqui na Europa, temos sobre homens de Estado.
Mas as diferenças, na minha opinião, não se ficam por aí.
Comecemos pelos passados políticos de cada um e com os respectivos legados.
Lula lutou sempre por ideais, Bolsonaro fez carreira, sentado e mudo, anos a fio, a justificar os proventos (legítimos ou duvidosos) de uma posição política que alcançou por meios que, obviamente, não foram os da superioridade intelectual.
Lula tem a seu favor os milhões de brasileiros que arrancou à fome no país. Bolsonaro aumentou o número de famintos.
Bolsonaro instigou ao ódio e à divisão dos brasileiros. Não me consta que Lula tenha feito algo de minimamente semelhante.
Lula teve o Mensalão? Sim, mas comparado ao “orçamento secreto” de Bolsonaro, não parece que tenha sido tão mais escandaloso.
A insistência de Bolsonaro em “decretar” o sigilo de tantas das determinações presidenciais que efectuou é sinónimo, para mim, de que tem muitos “podres” que não são passíveis de passarem no “crivo”. Veremos se os seus propósitos não passam de conseguir uma conveniente imunização judicial.
Lula promoveu a defesa de todas as minorias. Bolsonaro atacou-as, rebaixando-as ao nível da “eliminação” eugénica.
Que tentou Bolsonaro fazer da cultura, senão eliminá-la? Recordo que o sector cultural do Brasil tem dado mostras de, através de manifestos diversos, apoiar Lula.
Bolsonaro fez com que alguns amigos poderosos lucrassem com a “gripezinha” do covid, permitindo (ou promovendo?) a sobre-facturação das vacinas.
Bolsonaro, como Trump, acha que devemos viver num mundo mergulhado em armas. Make war, not love.
Nunca como no tempo de Bolsonaro, o Brasil esteve isolado e depreciado por esse Mundo fora. Neste momento, espera-se generalizadamente a retoma de relações do Brasil com todos os outros países.
Foi Bolsonaro quem deu largas à ganância que vem destruindo a Amazónia. Ao que se sabe, Lula tem consciência do problema das alterações climáticas, e é um opositor da desmatação desenfreada que assola aquela região.
Não será Lula, espero eu, que virá a dar aval aos desmandos anti-científicos propalados por diversos sectores, aonde pontuam os “indispensáveis” (para ele) evangélicos.
Bolsonaro tem meio Brasil? É verdade, mais ou menos como Trump, nos EUA, o que não lhe confere qualquer autoridade moral inquestionável.
Como ouvi alguém dizer (e isto é um bom resumo da situação): com Lula, nós sabemos que, no final do seu mandato, teremos eleições; se Bolsonaro tivesse ganho, duvido que tivéssemos essa certeza.
Não ponho as mãos no fogo por Lula, como não ponho por ninguém, mas não tenho qualquer motivo para o nivelar com um personagem como Bolsonaro. Fazê-lo seria relativizar os excessos (para mim, criminosos) que Bolsonaro semeou no decurso do seu tétrico mandato.