sábado, 11 de maio de 2019

A conveniência da coeteris paribus

A  Assembleia da República declarou extinto o “fogo” dos professores. Não há dinheiro, qual a palavra que não percebeu? Quanto? Não sabemos, uns dizem x, outros y, e as diferenças são abissais. Diz-se que a despesa é a ilíquida e ignora-se a receita que gera. Discute-se o assunto de forma aparentemente exaustiva, mas que está longe de o ser. Os argumentos utilizados não alijam a condição coeteris paribus, o que, no caso, quer dizer: paga-se, deixando tudo em volta inalterado. Faz-se crer que o dispêndio em remunerações se evapora da mesma forma que os contributos para a Banca falida, escamoteando-se que ele se reintroduz na economia, quase na totalidade e de forma imediata, dinamizando-a. Proclama-se que os encargos se repetem anualmente, enquanto as injecções na Banca têm efeito num só ano, irrepetíveis, como se não tivéssemos memória.
Certo é que, com professores (e outros profissionais), se violaram contratos celebrados. Para que a sociedade possa cumprir aquilo a que se obrigou, precisa de mais receitas, e aonde ir buscá-las que não aos impostos? Talvez seja necessário reformular totalmente o sistema fiscal, aumentando a receita sem penalizar os mesmos do costume - sim, é possível! - e, já agora, aproveite-se para repensar as carreiras profissionais e respectivas progressões. Abandone-se a condição latina referida, que o País não é nenhum modelo económico. É isto uma grande utopia? Sim, mas não esqueçam todas as outras que, no passado, acabaram por se concretizar, para bem da Humanidade.
  
P.S. - A impopularidade da minha posição deve ser igual à que sentiram os primeiros abolicionistas na questão da escravatura. Paciência!

2 comentários:

  1. Tudo o que o José diz acima merece reflexão. À sua "teoria económica" ouço-a com atenção, tal como ouço a outra, diversa, do governo, e limito-me a reflectir como cidadão, licitamente mas também sujeito à minha ignorância técnica. Mas o facto de haver duas projecções sobre os números do futuro, faz-me pensar que uma e outra terão razões, dependendo da visão académica mas também política das diferentes projecções. O que é típico da "ciência" económica. Diferente é minha opinião sobre "contratos" e o cumprimento ou não cumprimentos dos mesmos. Isto quanto às carreiras. Sirvo-me dum exemplo. eventualmente pouco feliz, mas que tenho mais à mão. A carreira médica hospitalar ( e não só) tinha diversos patamares aos quais se acedia ( ou não) por avaliação curricular e prática, perante júri de composição variada: assistente, assistente graduado e chefe de serviço. Somente ao segundo patamar se podia aceder de duas maneiras: avaliação ou tempo de serviço. Mas... ao terceiro só chegavam os que viessem dos avaliados e nunca os que vinham por tempo decorrido. Claro? O que eu quero dizer é que só considero quebra de contrato o baixarem valores de vencimentos ( ou pensões de reforma) unilateralmente ( caso do governo anterior) e não o congelamento na progressão nas carreiras avaliadas ( que será o justo e desejável) que, por razões justas e necessárias de ordem económica genérica, não se possam realizar. Neste caso ( professores, médicos e todos os outros) o que lhes é vedado temporariamente é a subida ( ou não) na carreira e não um vencimento mensal, que existe. Quanto ao resto ( e não é despiciendo, mesmo nada!) de mudança de critérios fiscais, escolhas políticas do "para onde vai o dinheiro", e "tutti quanti", inteiramente de acordo consigo. Termino: talvez isto sirva para se fazer a revisão da progressão nas carreiras em que a AVALIAÇÃO seja central. A partir daí, quem não acede ao patamar superior, deve subir de vencimento como qualquer cidadão mas não reivindicar "benesses" que não lhe são devidas.... como "carreiras congeladas" ( obviamnente em situações anómalas do país, que já referi).

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    1. Obrigado pelo seu comentário e pelo convite à reflexão.
      Começo por lhe dizer que estou totalmente de acordo com as suas considerações em torno de como devem ser feitas as progressões nas carreiras, baseadas também (preferencialmente?) na avaliação de desempenho. De resto, no meu texto, alvitrei o repensar de carreiras e progressões. Mas note que, também aí, houve violação de contratos celebrados, uma vez que a mudança de condições deve ser feita para futuro e não com efeitos retroactivos. Não sou funcionário público nem domino as condicionantes das progressões, motivo que me leva a pedir desculpa por qualquer inexactidão que, por mera ignorância, possa estar a dizer. Mas é ou não verdade que os funcionários que agora se manifestam viram condições, inclusivamente de progressão, serem alteradas depois de entrarem ao serviço e, naturalmente, da “assinatura” do respectivo contrato que, de uma forma explícita ou meramente tácita, as contemplavam? Ora, isto também é quebra de contrato...
      Mas, no fundo, o que me levou a publicar o post foi a tristeza que senti na articulação do argumentário por parte do Governo. Tentando ser sucinto (vai ser difícil!), vou apontar as razões desse sentimento.
      Fartei-me de ouvir, desde a troika, que os contratos são para cumprir, doa a quem doer. Quem assim falava - e sabemos bem quem era -, referia-se aos contratos de ordem financeira com os credores. Os contratos de trabalho têm dignidade menor que se permita não serem cumpridos unilateralmente? Fez-me lembrar a odiosa TINA (There Is No Alternative), aliás, citada pelo insuspeito Luís Conraria, em crónica desta semana, no Público: “[os professores] têm toda a razão, mas, infelizmente, é impossível”. E de onde vem esta TINA? Será do PS, de António Costa ou de Mário Centeno? Só espero que esta capitulação perante a inevitabilidade de um só caminho não traga Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, com Cavaco a reboque, arvorar o vitorioso: “a gente não dizia?”.
      Deixo de lado uma velhíssima questão fiscal (tributar riqueza ou tributar rendimentos?), mas sem esquecer que os mais poderosos dos poderosos capturam impunemente os recursos naturais, que são de todos - haja em vista os efeitos na degradação da Terra - sem que sejam obrigados a pagar com justeza essa ilimitada e “abençoada” ambição, mesmo sendo-lhes reconhecido um compreensível e razoável prémio pela iniciativa e empreendedorismo. Daqui a minha referência à “utopia” de reformulação do sistema fiscal.
      Para terminar, last but not least, penso que a exibição de cálculos não coincidentes uns com os outros é uma manifestação de enviesamento ou afunilamento interessados no assunto. Tal como considerar que aos trabalhadores não se paga porque não se pode e aos agiotas se paga mesmo que não se possa. Os contratos destes são intocáveis, os dos primeiros rasgam-se à primeira. Além disso, e volto à coeteris paribus, escamotear a realidade envolvente, fazendo de conta que nada muda se se tomar determinada opção, apontando efeitos incompletos e inexactos, não é grande exemplo para a honestidade intelectual da discussão em clima de desejável imparcialidade dialéctica.
      Talvez não se possa pagar, mas, para mim, não ficou totalmente provado. Pelo menos com os argumentos exibidos por quem tem a faca e o queijo na mão.

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