Já se cogitou em se aprender uma
língua para uso em todos os países do mundo, visando a um melhor entendimento
entre as nações. Poderia ser o singelo Esperanto, segundo os pensadores
espiritualistas ou mesmo o Inglês, por ser simples e já bastante difundido pela
força do império anglo-americano, mas jamais um idioma neolatino, inclusive o
Português – a última flor do Lácio, no dizer do príncipe dos poetas
brasileiros, Olavo Bilac – em face de sua grande complexidade.
Nossa querida
língua é tão cheia de complicações, com seus verbos difíceis, o emprego do
infinitivo na forma pessoal e impessoal não adotado pelo Espanhol; acentos
grave, agudo e circunflexo; “c” cedilhado (ç); dois “s” (ss); “s” com som de
“z”; “ch” com valor de “x” e tantas coisas mais dificultando seu aprendizado.
Veja bem o que
acontece numa simples formação de adjetivos derivados de substantivos mediante
acréscimo do sufixo “oso”, que denota quantidade, abundância.
Segundo todos os
dicionários, inclusive os de Portugal, a palavra “receioso” é registrada sem a
vogal “i” (receoso), o que não julgo correto, tendo em vista uma observação
analógica de sua constituição.
Não há
justificativa plausível para se admitir a ocorrência de uma exceção
quanto ao referido vocábulo. O normal e razoável é uma mera síncope, ou seja, a
supressão da ultima vogal da palavra original antes do acréscimo do sufixo “oso”,
como por exemplos: leite + oso = leitoso; feio + oso= feioso e, consequentemente,
receio + oso= receioso.
Não se diga, à
guisa de justificativa, que haja precedentes admitindo até mesmo a síncope de
duas letras formadoras de sílabas, tal como acontece em bondade + oso= bondoso
e caridade + oso= caridoso. Neste caso, a própria lei do mínimo esforço diminuindo
a extensão da palavra é bem-vinda para evitar uma dissonante repetição
consonantal. Seria horrível escrever e sobretudo pronunciar “bondadoso” e
“caridadoso”.
A língua é um
organismo vivo. Sujeita-se a modificações, desde que haja bom-senso, lógica e
real necessidade. Já houve tantas, a maioria delas jamais aceita em Portugal.
Criaram uma tal de Nomenclatura Gramatical Brasileira, com algumas alterações
razoáveis. Uma delas foi a eliminação do modo verbal condicional, que, na
realidade sempre esteve embutido no modo subjuntivo. Acontece, porém, que sua
passagem para terminologia de futuro do
pretérito não foi adequada, porque quase sempre o uso habitual traduz um
simples futuro, com se pode ver no arraigado costume popular dos colóquios,
principalmente nos contatos telefônicos, em que se diz: “Alô, gostaria de falar
com fulano ou fulana”, ao invés de: “Gostarei de falar com fulano ou fulana”. Muitíssimas
vezes, o antigo condicional é na
verdade mera expressão de uma atitude, um jeito, uma maneira, como se pode ver
nas seguintes frases: “Eu riria, se
você chorasse”. “Ficavam sentados, quando deveriam
estar de pé”. Só numa hipótese muita rara e apenas estilística, ocorre um
futuro relativamente ao passado, como se vê na seguinte frase: “Alarico
pretendia atacar a África no ano de 410, mas isso só aconteceria no ano de 430, com a invasão dos vândalos comandados
por Genserico”.
A substituição desnecessária do nome das
conjunções e orações subordinadas modais por conformativas, como se conforme
e modo não fossem a mesmíssima coisa, foi mera troca de 6 por meia dúzia.
Curioso é que, antigamente, o agente da passiva, de tão fácil compreensão, era
conhecido como “complemento circunstancial de causa eficiente” – nome que
espantava qualquer aprendiz da lingua.
Já vi
questiúnculas polêmicas de análise sintática reprovarem muitos candidatos em
exames vestibulares de Língua Portuguesa. Acho inaceitável ver estampado em
toda a nossa imprensa escrita o nome de entidades jurídicas de direito público (União,
Estado e Município) escrito com iniciais minúsculas. E o pior: o novo código
Civil, alterando a boa redação do anterior tão bem elaborada, inclusive com
debate entre Rui Barbosa e o Prof. Ernesto Carneiro Ribeiro resultante na
famosa obra “Réplica” do ilustre jurista baiano, criou uma invencionice de mau
gosto, ao colocar o usucapião como palavra feminina (a usucapião), o que não se
justifica, porque a metamorfose etimológica não implica obrigatoriamente em
manutenção do mesmo gênero gramatical, ou seja, não é porque o vocábulo seja
feminino em Latim que tenha de ser também feminino em Português.
Já no ano de 1976,
defendendo tese sobre o “Usucapião”, no primeiro congresso do Ministério
Público do Estado de Goiás, tive a oportunidade de repelir, com unânime apoio
do plenário, uma proposta para adotar tal inovação.
Neste 05 de maio,
que é também o dia nacional das comunicações, em memória da grande epopeia do
marechal Rondon fincando os primeiros postes de telégrafo na região amazônica,
declaro mais uma vez meu grande amor à nossa língua, tão rica desde seu
majestoso berço nas terras lusitanas, cantada na famosa poesia épica de camões.
Presto minha homenagem ao saudoso
professor de Língua Portuguesa, Hermenegildo Marques Veloso, nascido na cidade
lusitana de Figueira da Foz, que ainda jovem veio para a cidade de Araguari,
Estado de Minas Gerais no Brasil, onde prestou relevantes serviços à educação,
em cujas aulas sempre citava o verso do poeta português Thomaz Ribeiro:
“Portugal, jardim da Europa, à beira mar plantado”. Era muito enérgico, mas
muito amigo dos alunos, entre os quais me incluo e destaco o ilustre médico
psiquiatra Delfino da Costa Machado, professor universitário e grande orador
cristão, que lembra Pe. Vieira, em sua oratória clássica.
Várias são as datas comemorativas da
Língua Portuguesa: 10 de junho, em homenagem ao 4º centenário do falecimento de
Camões, conforme édito da Assembleia de Portugal (1981); 05 de novembro, em que
se comemora o dia nacional do idioma no Brasil, lembrando o nascimento de seu
grande cultor, Rui Barbosa, segundo a Lei nº 11.310, de 12/06/2016 e,
finalmente, o citado dia 05 de maio, consoante proclamação da Comunidade de
Povos de Língua Portuguesa (Cabo Verde, 2009).
Estima-se atualmente, em 250 milhões
de seus falantes nativos, pena que ela não seja apropriada para se tornar uma
língua mundial, a não ser que haja um expurgo de toda a sua complexidade
Vivaldo Jorge de Araújo, ex-professor de
História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, é escritor e procurador de
justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás, Brasil.
Interessante.
ResponderEliminarMeu caro Vivaldo: Vivi no Brasil (Rio) durante 7 anos, na minha juventude. Percorri intensamente o Nordeste. mas também Minas, Brasília, Anápolis, Goioânia, etc., vendendo móveis.
ResponderEliminarAs suas palavras denunciam um certo desencanto. Compreendo-o, e de que maneira...
Quem escuta um índio (nativo, mesmo) analfabeto, falar um português mais correcto do que um lisboeta ou um portuense, emociona-se.
Aqui, na pátria de Camões, diz-se "periúdo", em vez de período. Desde o ministro ao jornalista até ao Zé dos Anzóis. Apenas um exemplo, entre muitos.
O argumento de que o brasileiro, o angolano ou o cabo-verdiano, erram mais, não tem consistência.
Afinal, nós somos o "fiel depositário" da língua, não é? Logo, mais responsabilidades.
O que diz o prof. Vivaldo Araújo acerca da nossa língua comum é bem pertinente, de tal forma que, nas escolas portuguesas, é a matéria que mais dores de cabeça causa aos alunos...
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