quarta-feira, 1 de maio de 2019

SALVE O DIA DE NOSSA QUERIDA E CULTA LÍNGUA PORTUGUESA, PENA QUE NÃO POSSA SER UM IDIOMA MUNDIAL


     Já se cogitou em se aprender uma língua para uso em todos os países do mundo, visando a um melhor entendimento entre as nações. Poderia ser o singelo Esperanto, segundo os pensadores espiritualistas ou mesmo o Inglês, por ser simples e já bastante difundido pela força do império anglo-americano, mas jamais um idioma neolatino, inclusive o Português – a última flor do Lácio, no dizer do príncipe dos poetas brasileiros, Olavo Bilac – em face de sua grande complexidade.
     Nossa querida língua é tão cheia de complicações, com seus verbos difíceis, o emprego do infinitivo na forma pessoal e impessoal não adotado pelo Espanhol; acentos grave, agudo e circunflexo; “c” cedilhado (ç); dois “s” (ss); “s” com som de “z”; “ch” com valor de “x” e tantas coisas mais dificultando seu aprendizado.
     Veja bem o que acontece numa simples formação de adjetivos derivados de substantivos mediante acréscimo do sufixo “oso”, que denota quantidade, abundância.
     Segundo todos os dicionários, inclusive os de Portugal, a palavra “receioso” é registrada sem a vogal “i” (receoso), o que não julgo correto, tendo em vista uma observação analógica de sua constituição.
     Não há justificativa plausível   para se admitir a ocorrência de uma exceção quanto ao referido vocábulo. O normal e razoável é uma mera síncope, ou seja, a supressão da ultima vogal da palavra original antes do acréscimo do sufixo “oso”, como por exemplos: leite + oso = leitoso; feio + oso= feioso e, consequentemente, receio + oso= receioso.
     Não se diga, à guisa de justificativa, que haja precedentes admitindo até mesmo a síncope de duas letras formadoras de sílabas, tal como acontece em bondade + oso= bondoso e caridade + oso= caridoso. Neste caso, a própria lei do mínimo esforço diminuindo a extensão da palavra é bem-vinda para evitar uma dissonante repetição consonantal. Seria horrível escrever e sobretudo pronunciar “bondadoso” e “caridadoso”.
     A língua é um organismo vivo. Sujeita-se a modificações, desde que haja bom-senso, lógica e real necessidade. Já houve tantas, a maioria delas jamais aceita em Portugal. Criaram uma tal de Nomenclatura Gramatical Brasileira, com algumas alterações razoáveis. Uma delas foi a eliminação do modo verbal condicional, que, na realidade sempre esteve embutido no modo subjuntivo. Acontece, porém, que sua passagem para terminologia de futuro do pretérito não foi adequada, porque quase sempre o uso habitual traduz um simples futuro, com se pode ver no arraigado costume popular dos colóquios, principalmente nos contatos telefônicos, em que se diz: “Alô, gostaria de falar com fulano ou fulana”, ao invés de: “Gostarei de falar com fulano ou fulana”. Muitíssimas vezes, o antigo condicional é na verdade mera expressão de uma atitude, um jeito, uma maneira, como se pode ver nas seguintes frases: “Eu riria, se você chorasse”. “Ficavam sentados, quando deveriam estar de pé”. Só numa hipótese muita rara e apenas estilística, ocorre um futuro relativamente ao passado, como se vê na seguinte frase: “Alarico pretendia atacar a África no ano de 410, mas isso só aconteceria no ano de 430, com a invasão dos vândalos comandados por Genserico”.         
 A substituição desnecessária do nome das conjunções e orações subordinadas modais por conformativas, como se conforme e modo não fossem a mesmíssima coisa, foi mera troca de 6 por meia dúzia. Curioso é que, antigamente, o agente da passiva, de tão fácil compreensão, era conhecido como “complemento circunstancial de causa eficiente” – nome que espantava qualquer aprendiz da lingua.
     Já vi questiúnculas polêmicas de análise sintática reprovarem muitos candidatos em exames vestibulares de Língua Portuguesa. Acho inaceitável ver estampado em toda a nossa imprensa escrita o nome de entidades jurídicas de direito público (União, Estado e Município) escrito com iniciais minúsculas. E o pior: o novo código Civil, alterando a boa redação do anterior tão bem elaborada, inclusive com debate entre Rui Barbosa e o Prof. Ernesto Carneiro Ribeiro resultante na famosa obra “Réplica” do ilustre jurista baiano, criou uma invencionice de mau gosto, ao colocar o usucapião como palavra feminina (a usucapião), o que não se justifica, porque a metamorfose etimológica não implica obrigatoriamente em manutenção do mesmo gênero gramatical, ou seja, não é porque o vocábulo seja feminino em Latim que tenha de ser também feminino em Português.
     Já no ano de 1976, defendendo tese sobre o “Usucapião”, no primeiro congresso do Ministério Público do Estado de Goiás, tive a oportunidade de repelir, com unânime apoio do plenário, uma proposta para adotar tal inovação.
     Neste 05 de maio, que é também o dia nacional das comunicações, em memória da grande epopeia do marechal Rondon fincando os primeiros postes de telégrafo na região amazônica, declaro mais uma vez meu grande amor à nossa língua, tão rica desde seu majestoso berço nas terras lusitanas, cantada na famosa poesia épica de camões.
Presto minha homenagem ao saudoso professor de Língua Portuguesa, Hermenegildo Marques Veloso, nascido na cidade lusitana de Figueira da Foz, que ainda jovem veio para a cidade de Araguari, Estado de Minas Gerais no Brasil, onde prestou relevantes serviços à educação, em cujas aulas sempre citava o verso do poeta português Thomaz Ribeiro: “Portugal, jardim da Europa, à beira mar plantado”. Era muito enérgico, mas muito amigo dos alunos, entre os quais me incluo e destaco o ilustre médico psiquiatra Delfino da Costa Machado, professor universitário e grande orador cristão, que lembra Pe. Vieira, em sua oratória clássica.
Várias são as datas comemorativas da Língua Portuguesa: 10 de junho, em homenagem ao 4º centenário do falecimento de Camões, conforme édito da Assembleia de Portugal (1981); 05 de novembro, em que se comemora o dia nacional do idioma no Brasil, lembrando o nascimento de seu grande cultor, Rui Barbosa, segundo a Lei nº 11.310, de 12/06/2016 e, finalmente, o citado dia 05 de maio, consoante proclamação da Comunidade de Povos de Língua Portuguesa (Cabo Verde, 2009).
Estima-se atualmente, em 250 milhões de seus falantes nativos, pena que ela não seja apropriada para se tornar uma língua mundial, a não ser que haja um expurgo de toda a sua complexidade

Vivaldo Jorge de Araújo, ex-professor de História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, é escritor e procurador de justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás, Brasil.

3 comentários:

  1. Meu caro Vivaldo: Vivi no Brasil (Rio) durante 7 anos, na minha juventude. Percorri intensamente o Nordeste. mas também Minas, Brasília, Anápolis, Goioânia, etc., vendendo móveis.
    As suas palavras denunciam um certo desencanto. Compreendo-o, e de que maneira...
    Quem escuta um índio (nativo, mesmo) analfabeto, falar um português mais correcto do que um lisboeta ou um portuense, emociona-se.
    Aqui, na pátria de Camões, diz-se "periúdo", em vez de período. Desde o ministro ao jornalista até ao Zé dos Anzóis. Apenas um exemplo, entre muitos.
    O argumento de que o brasileiro, o angolano ou o cabo-verdiano, erram mais, não tem consistência.
    Afinal, nós somos o "fiel depositário" da língua, não é? Logo, mais responsabilidades.

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  2. O que diz o prof. Vivaldo Araújo acerca da nossa língua comum é bem pertinente, de tal forma que, nas escolas portuguesas, é a matéria que mais dores de cabeça causa aos alunos...

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