quinta-feira, 2 de maio de 2019

Venezuela às escuras




Depois dos apagões eléctricos, a Venezuela encontra-se numa situação em que nem tacteando as paredes saberá para onde vai. Guaidó adiantou-se, surpreendendo os compatriotas com o anúncio de um movimento imparável para afastar Maduro. Afinal, a força que dizia deter não foi suficiente, até ao momento, para alcançar o objectivo, e há quem pense que tudo não passou de uma prova de vida, dele e do movimento que encabeça, que poderá mudar de liderança para Leopoldo López, reaparecido após libertação da prisão domiciliária e, entretanto, refugiado na embaixada de Espanha.
O certo é que os americanos vão avisando que, embora “preferindo” uma transição política pacífica, poderão disponibilizar forças militares para uma intervenção. Tem todo o ar de preparação do pretexto óptimo, coisa de que até Trump, avesso a aventuras bélicas no exterior, não desdenhará, fazendo jus a um costume irresistível que os Estados Unidos têm de intervir na América Latina. Como já há uns bons anos não fazem nada do género, nunca se sabe...  
Seja como for, a escuridão que assola os venezuelanos não augura nada de bom. Com confrontos militares ou não, se Guaidó ou López conseguirem os intentos, ninguém garante que a ditadura acabe. Deixará, certamente, de ser a de Maduro, embora mudando de flanco. Expresso - 04.05.2019

5 comentários:

  1. Concordo com muito do que escreveu, mas aquela frase "...se Guaidó ou López conseguirem os seus intentos, ninguém garante que a ditadura acabe" (sic), deixou-me a pensar. Quer dizer que os equivale a Maduro?
    Um povo luta ( ou não) por uma de duas coisas, ou por ambas: comida e liberdade. Na Venezuela actual não tendo as duas, deve ficar quieto? É nesta perspectiva que me permito falar. Aqui fica.

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    1. O pouco que conheço de Guaidó e de López é suficiente para me deixar intranquilo. Ambos lideram o partido Vontade Popular (fundado por López) que, por sua vez, integra a coligação de oposição ao chavismo Mesa de Unidade Democrática, na qual, aquele está considerado como um dos componentes mais extremistas. Citando o Público de ontem, o insuspeito The New York Times, em Março de 2018, tentou delinear um perfil de López, hesitando em classificá-lo entre a categoria de “ultra reaccionário de direita” e “neo-marxista” (a propósito, o que é isso?). Nenhum deles tem provas dadas na governação (antes do Poder, também Hitler não as tinha), mas já mostraram que dominam na perfeição as redes sociais, sobretudo para expressar desejos como verdades, raiando, evidentemente, as malhas da contra-informação.
      É evidente que o povo venezuelano tem todo o direito (dever?) de lutar pela sua liberdade e pela sobrevivência e, como tal, deve ser apoiado. Apenas pretendi relevar que, ao contrário do que muitos pensam, não bastará a queda de Maduro, para além de que, sem alguns cuidados, poderão os venezuelanos vir a encontrar-se numa camisa de onze varas de tecido igualmente áspero.

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    2. Desde sempre o José mostrou a sua desconfiança com Guaidó, mas hoje ensina-me porquê. Grato pela explicação. Fica-me somente aquela do NYT, o que é aquilo? E outra coisa que talvez resolvesse o assunto: eleições livres. Quem.as rejeita? Maduro ou Guaido? Deixe-me ser redundante: é sempre um gosto trocar ideias consigo.

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    3. Caro Fernando,
      Essa do ensinar é forte. Aceito-a, contudo, com a entoação castelhana, no sentido de “mostrar”, que foi o que eu fiz: mostrei as razões que me levam à tal desconfiança. Fundada ou não, o tempo o dirá.

      De facto, aquela do NYT, que vem citada no Público de ontem, é bastante estranha. Para o caso de não ter lido, vou copiar a prosa de Rita Siza no que se refere a Leopoldo López e ao NYT: “...quando um perfil seu foi publicado pela revista do The New York Times, a 1 de Março de 2018. Nesse texto, era apresentado como um herói do povo, um “símbolo” de algo que o autor não conseguia exactamente apontar - um estatuto indefinido que o levava tanto a ser execrado como um “ultra reaccionário de direita” que sonhava com o regresso da aristocracia, como hostilizado como um “neo-marxista” interessado em redistribuir as riquezas do país. Não será uma coisa nem outra, mas é verdade que o seu percurso pode dar azo às duas interpretações.”

      Sobre a saída deste imbróglio, também me parece que terá de passar por eleições livres, uma vez que as presidenciais de 2018 são alvo de forte e legítima contestação, e as parlamentares de 2015 (ganhas pela Mesa da Unidade Democrática contra Maduro), em face dos acontecimentos entretanto ocorridos, poderão considerar-se obsoletas. Logo, dever-se-á, em minha opinião, partir para novo sufrágio, como que a partir do “zero”, com todas as garantias de isenção. O problema, parece-me, está em que Maduro as rejeitará sempre, por dois motivos: a percepção da derrota e, uma vez que já está no “poleiro”, dele não abdicará a bem. Já os oponentes, desejam-nas, pelas razões opostas: a percepção da vitória e, claro, querem ir para “lá”.

      A terminar este longo arrazoado, e sabendo que nenhum dos dois é de salamaleques, sinto-me à vontade para lhe retribuir o cumprimento e assegurar-lhe que tenho imenso gosto nestas nossas trocas de ideias.

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    4. Desculpe vir aqui mais uma vez. É só para dizer que o meu ensinar não tinha ironia nenhuma. Não li a prosa da Rita Sisa. Palavra.Quanto às eleições, serviriam precisamente para mostrar quem (se)enganou nas suas percepções.

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