Embora já
existisse no extremo oriente (Índia-China) uma cultura religiosa de profunda
sabedoria milênios antes do nascimento de Jesus, o povo hebreu, tido como o
primeiro a professar o monoteísmo, foi quem recebeu inicialmente a mensagem
cristã, mas, por estar mergulhado num intransigente fanatismo, não a aceitou em
seu conteúdo essencial.
O Divino
Mestre, mesmo diante do grande antagonismo, persistia em cuidar primordialmente
dos israelitas, deixando para segundo plano outras nacionalidades, os chamados
gentios, não obstante ter encontrado entre estes um militar romano que o
encantou com enorme demonstração de maturidade espiritual, quando lhe suplicou
a cura de um servo seu e, ao se dispor a atendê-lo em sua casa, dele então, com
muita surpresa, ouviu o seguinte: Não é preciso e nem sou digno de tão honrosa
visita, basta dizer ao verbo que meu empregado está enfermo e ele será curado.
Analisando
o texto do Evangelho (Mateus, C.8 V.8), Huberto Rohden, um dos maiores
pensadores cristãos contemporâneos, falecido em 1981, de quem tive a honra de
ser aluno, afirma que o centurião romano não vê o Mestre apenas como o simples
Jesus de Nazaré, mas como a encarnação do Cristo de Deus, por isso não lhe pede
para proferir alguma palavra em benefício do doente distante, conforme as
traduções vulgares, mas para dirigir um apelo ao Verbo divino nele encarnado
que, em sua onipresença, curaria o servo, sem precisar de ir à sua residência, como
de fato aconteceu.
É que o
vocábulo latino Verbo, em grego Logos, se refere ao filho de Deus, o
primogênito de todas as criaturas segundo o apóstolo Paulo, a própria razão
espiritual, com todo o poder da divindade. Tanto no texto grego do primeiro
século, como na tradução para o Latim, está escrito: “Dize ao Verbo”, porque a
palavra aparece no caso dativo e não no acusativo (Logo e não Logon, Verbo
e não Verbum).
A mensagem
primitiva do cristianismo é uma doutrina universal de libertação de consciência
que lembra Platão e jamais um tratado de organização hierárquica de cunho
aristotélico. É, sim, Religião, mas na própria acepção da raiz da palavra, ou
seja, religação, elo de ligação entre a criatura e o Criador, sem qualquer
ritual sacramentalista ou crença em derramamento de sangue salvífico, que tenta
substituir o sacrifício do bode expiatório do judaísmo pelo do cordeiro divino,
à guisa de resgate de todos os pecados.
Enfim, o
Cristo que se proclamou “o caminho, a verdade e a vida” não fundou seita religiosa,
mas criou um roteiro de religiosidade libertadora, que, palmilhado pelo ser
humano, com seu próprio esforço e ajuda divina, através dos anjos da
espiritualidade (Espírito Santo) leva-o à autorrealização (salvação), na
prática do amor a Deus e ao próximo como a si mesmo, que, segundo Jesus, resume
todos os mandamentos da lei e dos profetas, conforme bem demonstra o símbolo da
pequena cruz (+), que é mais na
Matemática, positivo na Física e
redenção religiosa, porquanto traduz o encontro da vertical da mística do amor
a Deus com a horizontal da ética do amor ao próximo.
Na casa de
retiro espiritual dirigida por Rohden, em Jundiaí S.P. estava escrito na parede
do refeitório: “Realiza a mística de Deus, através da ética dos homens, na
estética da natureza”.
O caminho é
a prática da caridade, considerada como fundamental pelo chamado apóstolo dos
gentios (I Coríntios, C.13, V.13), a qual, entretanto, não se confunde com
meros atos de filantropia oriundos da vaidade humana, mas de uma permanente
atitude de amor, sem o que não ocorre a redenção da criatura humana, conforme
proclama Alan Kardec, o codificador da doutrina espírita (“Fora da Caridade não
há salvação”).
O Cristo
deve eclodir em cada criatura, na experiência individual do ser humano feito à
imagem e semelhança de Deus, sem nenhuma necessidade de aguardar um suposto
retorno do Divino Mestre, a chamada parusia. Ele nunca foi, está latente dentro
de nós. Pode até voltar, mas em visão materializada, quando seu reino se
estabelecer na Terra, e jamais em uma nova encarnação, como infantilmente
apregoam alguns segmentos religiosos.
Através do
apóstolo Paulo, o Cristianismo expande-se na Grécia, por toda a Ásia Menor e
Europa. Cartas são dirigidas à Roma, Éfeso, Corinto, Filipos, Tessalônica,
Colossos e à Galácia. O último livro bíblico, Apocalipse, que retrata uma visão
profética do discípulo S. João, faz referência a sete comunidades cristãs da
Ásia Menor, para cujos dirigentes registram-se mensagens da espiritualidade
superior, com censuras a algumas visando ao seu aperfeiçoamento. São elas:
Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia.
Esta última
teve o seu pastor severamente acusado de não ser frio nem quente, mas apenas
morno, e por isso poderia ser vomitado da boca divina, isto é, excluído, por
causa de sua tibieza, indiferença, do rol dos escolhidos para o comando dos
trabalhos em prol da evolução da humanidade.
Trata-se de
uma antiga cidade da Frígia, cujas ruínas se encontram, atualmente, nas
proximidades de Desnizli, perto de Éfeso na Turquia. Foi fundada, nos meados do
século III A.C., por Antíoco II, em homenagem à esposa Laodice, que mais tarde
o teria assassinado com veneno, conforme alguns historiadores, inclusive Cesare
Cantú.
Uma outra
Laodiceia, em cujas imediações (apenas 6 ks. ao norte) floresceu Ras-Shanra,
sede do reino de Ugarit, um notável sítio arqueológico da antiguidade que
remonta aos tempos dos fenícios, 1.800 anos A.C. descoberto em 1929, é a atual
cidade de Latakia, capital de um Estado do mesmo nome, o mais importante porto
da Síria, cuja fundação se deu, no
século IV A.C., pelo rei Seleuco Nicátor, em homenagem à sua mãe Laodice,
bisavó de Antíoco II e da esposa assassina, que tinha o mesmo nome.
O citado
rei, personagem real da peça teatral “El Rei Seleuco”, do famoso poeta clássico
Camões da literatura portuguesa, foi general de Alexandre e depois da morte
deste, tornou-se o soberano do reino da Síria, que abrangia toda a Ásia Menor e
a Mesopotâmia. Por ele foram edificadas outras 34 cidades, entre as quais a
Antioquia síria, um dos maiores núcleos da cristandade primeva, que, a partir
de 1939, passou a pertencer à Turquia e se chama atualmente Antákia. Aí nasceu
S. Lucas, autor do terceiro evangelho, que melhor retrata o nascimento de
Jesus, como protótipo da nova humanidade (o “FILHO DO HOMEM”- uma geração tipicamente humana causada por
auras espirituais, que gera um corpo imortal). Por isso, o credo da Igreja Católica
de Roma proclama que Jesus foi gerado e não feito (genitum et non factom), através
da Virgem Maria, a tão querida N. S. Aparecida no Brasil e de Fátima em
Portugal.
A antiga
Laodiceia síria – um nome tão bonito, mas que devido à pronuncia gutural da
consoante “c” dura (som de K) da língua árabe, acabou se transformando em
Laudkia e, finalmente, Latakia, em seu aportuguesamento. Esta cidade, que
sofreu influência dos egípcios, gregos, bárbaros oriundos da Ásia Menor,
romanos, bizantinos e dos chamados “cristãos” das cruzadas, erigiu-se mais
tarde em grande núcleo de famílias cristãs, que sofreram grandes perseguições
do domínio turco, sobretudo sob a ditadura cruel do sultão Abdul Hamid II
(1876-1909).
Artigo publicado
no jornal Diário da Manhã de Goiânia, Goiás- Brasil do dia 07/07/2016, pag. 6, caderno
Opinião Pública, podendo ser visto no site: www.dm.com.br.
A autor é
escritor e professor aposentado de história e de língua portuguesa no Brasil.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.