domingo, 4 de dezembro de 2016

O Livro de Areia




No O Livro de Areia, de um grande prestidigitador de nome  Borges, pode ler-se um conto que dá pelo título de Utopia de um homem que está cansado.

Reproduzimos alguns excertos esperando que afie a curiosidade de um encontro próximo com este bom livro:

“-Pelo traje vejo que vens de outro século. (…) Tais visitas ocorrem-nos de século em século. Não duram muito; o mais tardar estarás amanhã em tua casa.
(…)
Agora vais ver algo que nunca viste.
Passou-me com cuidado um exemplar de a Utopia de More, impresso no ano de 1514.
Repliquei:
-É um livro impresso. Lá em casa haverá mais de dois mil.
O outro riu-se.
- Ninguém pode ler dois mil livros. Nos quatro séculos que levo de vida não terei passado de uma meia dúzia. Aliás não é ler que importa, mas reler. A imprensa, agora abolida, foi um dos piores males do Homem, já que tendeu a multiplicar até à vertigem textos desnecessários.
(…)
-Ainda há museus e bibliotecas?
-Não. Queremos esquecer o passado, salvo para a composição de elegias. Não há comemorações nem centenários nem efígies de homens mortos.
(…)
-Que sucedeu com os governos?
- Segundo a tradição foram caindo gradualmente em desuso. Convocavam eleições, declaravam guerras, impunham tarifas, confiscavam fortunas, ordenavam prisões e pretendiam impor a censura e ninguém no planeta os acatava. A imprensa deixou de publicar as suas colaborações e as suas efígies. Os políticos tiveram de procurar ofícios honestos; alguns foram cómicos ou bons curandeiros….”


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