No O Livro de Areia,
de um grande prestidigitador de nome Borges, pode ler-se um conto que dá pelo
título de Utopia de um homem que está
cansado.
Reproduzimos alguns excertos esperando que afie a curiosidade de
um encontro próximo com este bom livro:
“-Pelo
traje vejo que vens de outro século. (…) Tais visitas ocorrem-nos de século em
século. Não duram muito; o mais tardar estarás amanhã em tua casa.
(…)
Agora vais
ver algo que nunca viste.
Passou-me
com cuidado um exemplar de a Utopia de More, impresso no ano de 1514.
Repliquei:
-É um livro
impresso. Lá em casa haverá mais de dois mil.
O outro
riu-se.
- Ninguém
pode ler dois mil livros. Nos quatro séculos que levo de vida não terei passado
de uma meia dúzia. Aliás não é ler que importa, mas reler. A imprensa, agora
abolida, foi um dos piores males do Homem, já que tendeu a multiplicar até à
vertigem textos desnecessários.
(…)
-Ainda há
museus e bibliotecas?
-Não. Queremos
esquecer o passado, salvo para a composição de elegias. Não há comemorações nem
centenários nem efígies de homens mortos.
(…)
-Que
sucedeu com os governos?
- Segundo a
tradição foram caindo gradualmente em desuso. Convocavam eleições, declaravam
guerras, impunham tarifas, confiscavam fortunas, ordenavam prisões e pretendiam
impor a censura e ninguém no planeta os acatava. A imprensa deixou de publicar
as suas colaborações e as suas efígies. Os políticos tiveram de procurar
ofícios honestos; alguns foram cómicos ou bons curandeiros….”
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