quinta-feira, 17 de julho de 2014

Dar a César o que é de César



  
O preceito evangélico – dar a César o que é de César – não pode ser entendido apenas literalmente, mas compreendido em seu amplo conteúdo de justiça, tal como foi a intenção do Mestre dos mestres – o Cristo cósmico encarnado em Jesus, ao responder capciosa pergunta dos fariseus, se devia ou não o povo pagar tributos aos dominadores romanos.
Trata-se de uma resposta inteligente diante do dilema em que se viu envolvido: ou dizer sim e incompatibilizar-se com o povo revoltado contra o pagamento dos impostos de César ou falar não e tornar-se réu perante as leis romanas.
Jesus não saiu pela tangente, como muitos pensam, ao contrário, posicionou-se profundamente em sua aparente evasiva. Vendo a efígie do imperador na moeda que lhe foi exibida, disse que ela fosse devolvida ao seu dono, isto é, a César, a quem ela realmente pertencia, como as coisas de Deus que a este devem ser restituídas.
Na verdade, o dinheiro só pode ser validamente feito pelo governo; coisa de governo, portanto. Com ele é que se pagam os tributos, dos quais, igual a morte, ninguém se livra, conforme ensinamento do pensador e cientista norte-americano Benjamin Franklin. Por isso é bom nada ter, para que nada nos possa ser tirado. “Eu morro todos os dias, e é por isso que vivo” – eis o ensinamento do apóstolo Paulo na chamada grande Epístola, a primeira que escreveu aos Coríntios.
O Profeta de Nazaré não afirmou, entretanto, que toda a cobrança de César seria justa ou legal e tampouco lhe negou o direito de receber tributos, sobretudo na Judéia Rebelde, onde, ao contrário de outras regiões da antiga Palestina com seus “reis” dóceis e submissos aos senhores do Império, Roma mantinha governo direto, daí a necessidade de obter recursos para custeio da administração e dos serviços públicos.
Pagar impostos é um dever de todo cidadão, mas a lição de Jesus se volta no sentido de pagar apenas o que se deve. Nos países do terceiro mundo, entre os quais se encontra o Brasil, há muita exigência indevida, além da grande injustiça do leão do Imposto de Renda que devora a classe média assalariada e continua complacente com os ricos.
Mesmo em países de cultura mais desenvolvida, inclusive Portugal, a carga tributária pesa muito sobre a sociedade, merecendo por isso, ser objeto de uma substanciosa reforma.
Não se pode, pois, acomodar-se diante das investidas dos césares modernos – governo federal, estadual e municipal – que, impotentes no combate à corrupção, lançam mão de todos os meios para arrecadar numerário no saco sem fundo de administrações falidas, visando à manutenção de uma pseudo democracia, que exige muito recurso destinado aos Poderes, sobretudo o Legislativo com seus parlamentos cheios de um excessivo números de integrantes, quase todos descompromissados com o povo, porquanto, na verdade, são lacaios de empreiteiras que sugam a nação no total desplanejamento das obras superfaturadas.
Quantas ações na esfera do Judiciário têm sido propostas pelos cidadãos vitimados pelos desmandos dos césares contemporâneos.
Mahatma Gandhi, o crístico que não foi cristão, em seu mais autêntico pacifismo, proclamou a desobediência civil contra as leis injustas do colonialismo britânico na Índia, que pretendia proibir o povo até de tirar sal do mar e tecer suas próprias vestes, tal como fez no Brasil, quando destruiu a tecelagem de Delmiro Gouveia, atirando suas máquinas na Cachoeira de Paulo Afonso.
Pela mesma forma, o verdadeiro cristão não pode acreditar que o senso de justiça do “dai a César o que é de César” seja conspurcado para justificar o desrespeito dos governantes ao direito do povo.
É preciso cuidar das coisas espirituais, dando a Deus o que é de Deus, na prática da solidariedade humana em seu mais amplo sentido, mas o reverso da moeda, ou seja, o “dar a César” das coisas materiais  deve ser tratado com a máxima cautela, numa luta pacífica e sem tréguas contra as injustiças do Estado, que deve existir para o cidadão e não este para aquele.

Vivaldo Jorge de Araújo, ex-professor de História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, escritor e agente aposentado do Ministério Público no Brasil.

1 comentário:

  1. Meu Caro Irmão,
    Do outro lado do Atlântico, não da barricada, estou consigo e sigo os seus ensinamentos cesarinos.

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