ECOS DO PASSADO TRISTE
Fruto de desilusões, de saudosismo, mas também de injustiças que persistem, chegam-nos, por vezes, ecos do passado triste. Antigamente é que era bom! Do passado de barracas, de bairros de lata, de meninos descalços e rotos, de emigração clandestina em massa, de perseguições, de medo, de prisões, torturas, morte... de uma guerra que, conforme dados do Estado-Maior-General das Forças Armadas, ao longo de 13 anos, levou cerca de 1 milhão e quatrocentos mil jovens. Dos quais, 8.831 não regressaram. Tombaram lá. Mais 30.000 feridos e, segundo os psiquiatras Afonso de Albuquerque e Fani Lopes, entre 140 e 150 mil, ficaram a sofrer de stress pós- traumático.
E é sobre uma das mais sinistras figuras desta guerra que nos soaram há dias, aquando da sua morte, ensurdecedores ecos desse passado triste. Um indivíduo que se notabilizou perante o então regime colonial-fascista que muito o condecorou, por participar na guerra contra a independência do seu país, e por cometer as mais bárbaras atrocidades contra os seus próprios compatriotas. Citando o livro “O Interior da Revolução” do capitão de Abril Vasco Lourenço, o advogado Garcia Pereira, escreve na sua página do Face Book que o tão aclamado “herói” quando fazia prisioneiros, nem sequer os entregava à PIDE; eliminava-os ele, depois de hediondas torturas. Eis uma das suas proezas que contou em Bissau a vários outros militares : “Entrámos na Tabanca, deitámos granadas incendiárias para as palhotas, as pessoas fugiram para o centro da tabanca, matámos todos, homens, mulheres e crianças.” Ainda a propósito, Citamos Manuel Loff no jornal Público de 16.2.21 : “É natural: como nunca foi julgado nenhum dos responsáveis pelos massacres de Batepá (1953), Pigjiguiti (1959), Mueda (1960), Luanda (1961) e Norte de Angola (os massacres de 1961), Wiryamu e mais quatro aldeias (1972), só para citar os mais conhecidos, seria surpreendente conhecer em detalhe, pelo contrário, o que fez Marcelino da Mata.”
Mas o que se conhece , é abominável .
As honrarias que o anterior regime lhe concedeu, diz bem da moral desse regime. A mesma que, através da tenebrosa PIDE, perseguiu, torturou e matou tantos compatriotas nossos, incluindo o candidato à Presidência da República, General Humberto Delgado. Portanto, compreende-se. Custa a compreender-se é que mesmo partidos como o Chega, Ergue-te (ex PNR) e PDR, se tenham feito representar no seu funeral. O que já não se compreende, é que lá tenham estado o Chefe do Estado-Maior do Exército, o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e o próprio Presidente da Republica.
Vergonha também para o Portugal de Abril, o voto de pesar aprovado na AR pela sua morte, pelo Chega, PSD, CDS, IL e até, com 8 abstenções e 3 votos contra, o PS.
Náuseas, também é o que provocam a compreensão e os inúmeros elogios, nas redes sociais, nomeadamente em diversas páginas de cariz militar do Face Book.
São mais que ecos do passado triste, são os restos podres do império colonial e do fascismo que ainda fedem.
Francisco Ramalho
Publicado hoje no jornal "O Setubalense"
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.