sábado, 22 de janeiro de 2022

Carnavalização Global

 

“Lembro-me que nos Anos Setenta o “Potere Operário” lançou um convite revolucionário, apelando à paragem de todos os trabalhadores, porque a automação triunfal estava a abrir caminho à redução dos operários e, como tal, todos acabariam por ser dispensados. Na altura, objectava-se perguntando quem é que ia desenvolver a automação se a classe operária se recusasse a trabalhar. Em certa medida, o “Potere Operário” tinha razão, porque a automação, costuma dizer-se, implementou-se sozinha.

 

Só que o resultado dessa implementação não foi uma nobilitação da classe operária que preenchesse a condição utópica idealizada por Marx, na qual cada um seria simultânea e livremente pescador, caçador,etç. Bem pelo contrário, a classe operária foi adoptada pela indústria da carnavalização como o seu utente típico. Já não tem somente a perder as suas próprias correntes, como antigamente. Hoje – se tivéssemos um black-out revolucionário – teria a perder a transmissão do Big Brohter, e por isso vota em quem lhe proporciona os reality shows, e continua a trabalhar para oferecer mais valias a quem a diverte.                               (...)

 

Carnavalizou-se a política, à qual nos referimos comummente com a expressão política-espectáculo.Com o descrédito cada vez mais acentuado dos parlamentos, a política faz-se através de vídeos, e se quisermos legitimar o primeiro-ministro agendamos-lhe um encontro com Miss Itália –há-de chegar o dia em que, para gozar de alguma legitimidade, o presidente terá de aparecer mascarado de presidente”...

 

Nota – texto respigado de um artigo de Umberto Eco -  publicado no jornal La República, em janeiro de 2001, inserto no livro “A Passo de Caranguejo”.

 

 

Amândio G. Martins

 

 

 

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