Este 25 de Abril foi para mim,
muito triste. Assisti na TV durante o dia aos festejos, manifestações e
entrevistas àquele povo anónimo que interrogado o que mais recordava sobre a
data, respondia invariavelmente ter sido graças à revolução dos cravas (cedência
à igualdade de géneros do BE) que o próprio, algum parente chegado ou afastado
tinha sido libertado da prisão. E eu cada vez mais envergonhado deixando-me
escorregar pelo sofá para esconder a vergonha de não ter um parente directo ou
por afinidade que para o caso também servia, naquela situação. Deste vulgar
cidadão sem passado antifascista nem currículo presidiário, por muitas voltas
que dei à cabeça, nada. Lembrei do avô materno ter fugido para o Brasil, mas
como sou honesto, era incapaz de invocar o caso pois a fuga foi por motivos
passionais. Ainda pensei quando meti sal no açucareiro a um agente da PIDE, mas
para ser franco, a minha antipatia advinha por vê-lo a tratar com muita
arrogância os empregados de mesa do restaurante onde jantavamos em Dili. Já quase
a desistir, veio-me à memória o episódio passado também em Timor quando o meu
chefe, capitão do exército, foi injusto acusando-me num caso sem razão.
Deixando-o sair do local, e já a imagina-lo bem longe, insultei-o do pior
chegando a acusa-lo que era por haver gente como ele, um sustentáculo do
regime, que eu estava ali tão longe de casa. Pelos vistos, não se tinha
afastado o suficiente, ouviu o meu desabafo, entrou e sem nada dizer colocou
sobre a secretária o RDM aberto na página que previa o castigo para tais casos.
Na época, fiquei satisfeito por me ter safado da "porrada" mas que
hoje serviria em cheio para também poder alegar ter passado pela prisão no
tempo da outra senhora. Agora só me resta arranjar um psicólogo que me tire
este pesadelo e pedir que ninguém leia esta carta que levará ao desprezo a que
irei ser votado, por não ter passado antifascista. Jorge Morais
Publicada em Abril de 2016
Nota:
Devido ao feedback que a minha carta deste ano dedicada ao
25 Abril (De Leste nada de novo) teve - e como em 2016 não publiquei neste blogue
a dedicada ao mesmo acontecimento, lembrei-me de fazê-lo agora pois trata-se
dum texto sempre actual e onde dou a conhecer factos verídicos passados comigo.
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