Os “caga rodelas”...
Há-de haver uns trinta anos, li no Expresso um trabalho de
um jornalista da casa que tinha cumprido serviço militar na Guiné, descrevendo
o aperto por que tinha passado quando o grupo que integrava caíu numa
emboscada.
Alguns morreram logo ali, incluíndo o líder, outros ficaram
gravemente feridos e os restantes tinham pouca esperança de saír vivos daquele
inferno, tal a metralha que sobre eles chovia; até que o soldado António Ramos,
um rapaz de Vila do Conde, se virou para eles e disse: “Eh! rapazes, não vamos
deixar que estes gajos nos massacrem aqui sem dar luta, venham comigo”! “E
quando os guerrilheiros já pensariam que nos tinham arrumado, conseguimos
reunir um último esforço e pô-los em debandada”.
Com os elementos colhidos naquele artigo, a forma como era
descrito António Ramos, a localidade e a
sua actividade profissional, “identifiquei-o” como um dos meus clientes em Vila
do Conde; homem calmo, de conversa agradável, falávamos de assuntos de trabalho,
naturalmente, mas vinham sempre à conversa os mais variados temas que
estivessem na ordem do dia.
Conhecia-o havia já uns bons anos e nunca soube sequer que tinha sido combatente
em África; este senhor, que o jornalista descrevia como um dos muitos e verdadeiros
heróis que a grande parte das pessoas nem imagina existirem realmente, cuja
corajosa decisão num momento de terror colectivo lhe salvou a vida e a dos
restantes camaradas, quando lhe referi o tal artigo, para ter a certeza se era
mesmo ele, confirmou que, de facto, um amigo dos tempos da tropa, que era
jornalista, o tinha procurado para saber como ia a vida e dizer-lhe que ia contar no jornal o
que juntos tinham vivido.
Ofereci-lhe a revista onde vinha o trabalho do ex-camarada,
agradeceu e nunca mais se voltou a falar do assunto; a antítese desta postura
são aqueles “heróis caga rodelas”- para usar uma expressão da minha avó
Custódia Maria - que não páram de cantar
a sua “missão de soberania”, repetindo até à náusea os seus “feitos”e
atirando-os constantemente à cara de todo o mundo, quando a única coisa
realmente factual que poderiam contar é terem sido para lá levados e de lá trazidos,
sem que tivessem deixado qualquer marca relevante ...
Penso que estes relatos terão cabimento na tertúlia de amigos
que passaram pelo mesmo, nos almoços de convívio, se a coisa vier a propósito;
ou então lá em casa, aos netos, que a restante família já deve estar cansada de
tanto ouvir a mesma história; e nem com os netos deverão “abusar” porque, às
tantas, já são eles a ir à frente do avô: “e depois viste uma cobra de
cinquenta metros, que tentaste matar, mas despejaste o carregador e não lhe
acertaste...
Amândio G. Martins
Coitada da avó Custódia Maria que tal neto vomitou.
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