quinta-feira, 25 de outubro de 2018


Os “caga rodelas”...


Há-de haver uns trinta anos, li no Expresso um trabalho de um jornalista da casa que tinha cumprido serviço militar na Guiné, descrevendo o aperto por que tinha passado quando o grupo que integrava caíu numa emboscada.

Alguns morreram logo ali, incluíndo o líder, outros ficaram gravemente feridos e os restantes tinham pouca esperança de saír vivos daquele inferno, tal a metralha que sobre eles chovia; até que o soldado António Ramos, um rapaz de Vila do Conde, se virou para eles e disse: “Eh! rapazes, não vamos deixar que estes gajos nos massacrem aqui sem dar luta, venham comigo”! “E quando os guerrilheiros já pensariam que nos tinham arrumado, conseguimos reunir um último esforço e pô-los em debandada”.

Com os elementos colhidos naquele artigo, a forma como era descrito António Ramos, a localidade  e a sua actividade profissional, “identifiquei-o” como um dos meus clientes em Vila do Conde; homem calmo, de conversa agradável, falávamos de assuntos de trabalho, naturalmente, mas vinham sempre à conversa os mais variados temas que estivessem na ordem do dia.

Conhecia-o havia já uns bons anos e  nunca soube sequer que tinha sido combatente em África; este senhor, que o jornalista descrevia como um dos muitos e verdadeiros heróis que a grande parte das pessoas nem imagina existirem realmente, cuja corajosa decisão num momento de terror colectivo lhe salvou a vida e a dos restantes camaradas, quando lhe referi o tal artigo, para ter a certeza se era mesmo ele, confirmou que, de facto, um amigo dos tempos da tropa, que era jornalista, o tinha procurado para saber como ia a  vida e dizer-lhe que ia contar no jornal o que juntos tinham vivido.

Ofereci-lhe a revista onde vinha o trabalho do ex-camarada, agradeceu e nunca mais se voltou a falar do assunto; a antítese desta postura são aqueles “heróis caga rodelas”- para usar uma expressão da minha avó Custódia Maria -  que não páram de cantar a sua “missão de soberania”, repetindo até à náusea os seus “feitos”e atirando-os constantemente à cara de todo o mundo, quando a única coisa realmente factual que poderiam contar é terem sido para lá levados e de lá trazidos, sem que tivessem deixado qualquer marca relevante ...

Penso que estes relatos terão cabimento na tertúlia de amigos que passaram pelo mesmo, nos almoços de convívio, se a coisa vier a propósito; ou então lá em casa, aos netos, que a restante família já deve estar cansada de tanto ouvir a mesma história; e nem com os netos deverão “abusar” porque, às tantas, já são eles a ir à frente do avô: “e depois viste uma cobra de cinquenta metros, que tentaste matar, mas despejaste o carregador e não lhe acertaste...


Amândio G. Martins


1 comentário:

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